A guerra em Israel entra em seu 10º dia, com o conflito entre Israel e o Hamas ainda sem um fim à vista. O país vive um clima de tensão e incerteza, com ataques aéreos e mísseis trocados entre as partes.
Para falar sobre a situação, o Diário Carioca conversou com Daniel Schnaider, ex-agente da 8.200, a unidade de inteligência do Exército de Israel. Schnaider, que é economista, brasileiro, judeu e morou por anos em Israel, analisou o conflito e falou sobre as perspectivas para o futuro.
Dentre as observações feitas por Daniel é possível observar o descontentamento com as políticas adotadas por Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro de Israel, que vem sendo duramente criticado pela comunidade internacional e por judeus.
Abaixo você confere na integra como foi a conversa entre o jornalista JR Vital e Daniel Schnaider.
DC – Diário Carioca: O senhor serviu em um exército que por muitos anos foi tido como exemplo de inteligência ao evitar ataques como os do 7 que desencadearam no conflito, que vem sendo marcado como um dos mais violentos nos últimos anos entre o Hamas e Israel.
O que o senhor acredita que pode ter acarretado esta falha, se é que foi uma falha, ou foi uma espécie de falta de atenção aos movimentos do Hamas, já que o Egito chegou a dizer que alertou sobre os fatos?
Daniel R. Schnaider – Israel está passando por um período muito difícil de divisão interna e polarização política, em que o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, que está no poder há 16 anos, é acusado de cometer crimes – como abuso de poder, corrupção, fraude, entre outros. Com a investigação da procuradoria, ele pode eventualmente ser preso.
Os alertas não vieram só do Egito, como também a CIA (Agência de Inteligência Americana) mostrou os riscos que Israel estava correndo. Existem evidências de soldados na fronteira que alertaram sobre os possíveis ataques do Hamas. E como alguém que trabalhou na inteligência, digo, com certeza, que houve a captação de informações. Porém, diante de um primeiro ministro que tem uma visão completamente equivocada do problema palestino e a percepção errônea de que o problema viria da Cisjordânia e não de Gaza, as chances desta tragédia eram eminentes.
Além disso, por mais que seja contra intuitivo para muitos, existia uma espécie de simbiose bizarra entre o governo Netanyahu e o Hamas. Os dois eram contra a solução de dois países para dois povos. Então, tendo o Hamas no poder, era fácil justificar a falta de esforço para encontrar uma solução para as diferenças. Ambos erraram. O Hamas deve ter sua capacidade militar e governamental neutralizada e o governo de Netanyahu deve assumir responsabilidade e pedir demissão.
DC – Diário Carioca: O que deve acontecer com o Mossad depois do conflito, há riscos de uma reformulação?
Daniel R. Schnaider – O Mossad não é responsável pela segurança nos territórios palestinos (Gaza e Cisjordânia), Shabak (às vezes chamado de Shin Bet) é a instituição que está na liderança. Porém, é bem provável que todos eles, os representantes destas organizações, caiam depois da guerra. Mas enquanto ela acontece, não é relevante. Acredito que quem deveria cair imediatamente, que é o grande responsável, se chama Benjamin Netanyahu, pela sua falha sistêmica grotesca e sua tese/política que foram muito mais nocivas do que as falhas operacionais.
DC: Benjamin Netanyahu foi muito criticado pela comunidade internacional por conta de sua reação, considerada por muitos desproporcional, e por israelenses por ter acontecido no governo dele o maior ataque do Hamas ao povo, como fica a situação dele depois do conflito?
Daniel R. Schnaider – Acredito que a única forma de Netanyahu aceitar “largar o osso” seria na condição da derrota em novas eleições próximas. Nesta hipótese, teria que ser realizado um acordo político com ele, abrindo mão do litígio penal, em troca de sua aposentadoria. De qualquer forma, se isto acontecer será muito tarde. Ele é inapto para conduzir uma guerra desse porte, é disfuncional, e provavelmente é o que explica o tamanho do apoio americano jamais visto.
DC: O senhor viveu muitos anos em Israel, acredito que tenha contato com pessoas que estão lá, conseguiria nos explicar como está o sentimento do povo israelense com esta Guerra, como estão tentando superar a dor?
Daniel R. Schnaider – Existe uma mistura de dois sentimentos com as pessoas envolvidas, com uma tristeza enorme que se mistura com a raiva e decepção com o governo, e ao mesmo tempo uma garra de vencer essa guerra, como eu nunca vi nos 20 anos que morei lá. O movimento de cooperação entre os civis está nos trazendo uma nova forma de olhar a humanidade. Todos criaram uma sinergia colaborativa que emociona qualquer um que veja o que eles estão fazendo e enfrentando uns pelos outros.
Do nível pessoal, tenho uma sobrinha que apenas não foi assassinada por um milagre, uma vez que três pessoas de sua equipe foram. Um antigo colega de trabalho não teve tanta sorte. Meu cunhado visita as casas das famílias das vítimas para dar o pior recado de suas vidas. Meus amigos estão trabalhando com voluntários ou estão na guerra. Um pesadelo, nada menos.
DC: Como o senhor descreveria o comportamento do Hamas?
Daniel R. Schnaider – Acredito que qualquer um que possa ver as fotos das atrocidades com mulheres, crianças e idosos, pode chegar a conclusão sozinho do que é o Hamas. O ponto é que eles não representam nem o povo árabe e muito menos o palestino, não representam os valores verdadeiros do Islã. Além disso, o grupo terrorista foi incongruente com eles mesmos, pois deixarão de existir como uma força relevante em Gaza e, assim como outros grupos antes deles, do ponto de vista estratégico vão pagar um preço muito caro. Entenda que a guerra apenas está começando, e Israel não mostrou uma fração do seu poderio militar. Mas dentro da tristeza existe uma luz no final do túnel. Depois da guerra de Yom Kipur em 1973, seis anos depois foi assinado o acordo de paz com o Egito. Tenho esperança que em menos de seis anos, os lados vão poder entender que a guerra é a pior das soluções disponíveis e não a melhor.
DC: Qual o tamanho do estrago que a guerra pode gerar na economia de Israel. Mesmo com o apoio dos EUA, há chances de Israel desestabilizar?
Daniel R. Schnaider – Se você avaliar a Guerra dos Seis Dias ou a Guerra do Yom Kippur, por exemplo, você verá que o país estava à beira de quebrar se não quebrou. Só que as circunstâncias mudaram. A guerra de 2006, a Segunda Guerra do Líbano, mostrou que o efeito econômico sobre Israel foi mínimo, porque o país, atualmente, tem uma economia gigante, resiliente e internacional, portanto, ela poderá se repor. Além disso, tem o apoio americano, as doações de muitos países, e o apoio da sociedade civil.
Poderemos ver mais vantagens ainda se forem cortados os recursos destinados ideologicamente para movimentos ultra ortodoxos e assentamentos escusos.
Israel tem recursos suficientes para atravessar essa fase, o que mostra inteligência da parte da nação manter uma economia robusta como uma grande vantagem frente aos seus inimigos.
Claro que essa análise muda de cenário no caso da entrada de Hezbollah, Síria, Irã e Cisjordânia. Mas mesmo que haja impacto econômico, que em alguns anos seria reposto, seria um desafio maior. Porém, Israel continua com uma economia mais robusta que todos eles juntos, portanto, continua na vantagem. Por exemplo, se você fechar a fonte de petróleo do Irã, já consegue neutralizá-lo, no entanto isso geraria outras consequências como a pressão inflacionária que desencadearia uma pressão política para que a guerra fosse encerrada e para a liberação do insumo.
DC: A tecnologia de Israel com foco militar é vanguarda mundial. Domo de Ferro e outras estruturas são extremamente elogiadas por especialistas, como isso pode ajudar no combate ao Hamas e como Israel ficou tão desenvolvido nesta questão?
Daniel R. Schnaider – Em 1991, quando Saddam Hussein tomou o Kuwait, o ex- presidente americano, George Bush (pai), fez um ataque para livrar o país do controle do Iraque. Nessa época, Israel sofreu com os mísseis Skud, artefatos com ameaças de ataque químico, fato que inclusive forçou os israelenses a andarem com kit de máscaras e protetor contra guerra química. A ocasião foi uma lição de que o país deveria criar uma proteção contra ataques de mísseis. Após isso, criaram-se camadas de proteção de curto, médio e longo alcance, e uma delas é chamada de Domo de Ferro, que lida com mísseis de curto alcance.
Realmente são tecnologias admiráveis, são recebidos milhares de mísseis e poucas vidas e patrimônios são perdidos. Porém, não é um sistema 100%, mas é um sistema que muda a simetria do jogo, onde Israel consegue atacar mais e de forma mais assertiva do que seus inimigos. Talvez por isso o Hamas use civis para se defender.
Porém, Hezbollah tem de 100 a 200 mil mísseis mirando Israel para o próximo ataque, e o sistema tem 95% de acerto, mas ainda não é o suficiente quando falamos de vidas.
DC: Irã, Hezbollah e Jihad Islâmica vem ameaçando intervir no conflito, o senhor acredita que Israel tem condições de atuar em três frentes de batalha? Caso essas intervenções aconteçam, como senhor encara a escalada de conflitos no Oriente Médio°
Daniel R. Schnaider – Jihad Islâmica já existe dentro de Gaza. Basicamente o medo são mais quatro frentes: Hezbollah, Síria, Cisjordânia e Irã – que fornece os recursos em termos de treinamento, conhecimento, armamento e equipamento para esses outros países.
Israel tem possibilidade de ganhar de todos simultaneamente, porém isso exigiria todo o poderio militar do país, que se transformaria em uma economia de guerra, com a paralisação de outras atividades para se voltar totalmente ao conflito com impactos de curto, médio e longo prazo. Tenho certeza de que ninguém em Israel quer isso. Seria uma falta de escolha.
Obviamente que este cenário poderia trazer os Estados Unidos da América pra guerra, que estrategicamente perceberia que o Irã poderia aumentar a sua posição perante o mundo, uma vez que é uma nação conflituosa.
Acredito que com o EUA mostrando-se presente, deixando à disposição seus recursos bélicos, muitos países oportunistas se afastariam da possibilidade de intervirem no conflito.
Hezbollah está sendo pressionado a se envolver, e o tempo inteiro testa as defesas de Israel, porém, se acontecer, não surpreenderá o país que está totalmente preparado no Norte.
É muito fácil começar uma guerra, porém nunca se sabe como ela irá ser conduzida e como terminará. Me parece possível, diria até provável, que esta guerra atenda em geral o interesse Chinês e Russo, pois tira seu maior inimigo, o EUA, do foco com a guerra da Ucrânia, a concentração com Taiwan, e o desvio de recursos para outras atividades que do ponto de vista deles talvez sejam secundárias. É provável que os Russos como fizeram no passado irão apoiar os inimigos americanos, como na Guerra Fria e em retaliação ao seu apoio à Ucrânia contra a Rússia.
DC: Há acusações tanto do Hamas, quanto da ALP, da Palestina, sobre crimes de guerra cometidos por Israel. Algumas autoridades de países como Colômbia e Espanha, chegaram a propor que Israel seja julgado no Tribunal de Haia, como o senhor vê a resposta israelense aos ataques terroristas, acredita que há alguma chance de se poupar a vida de civis em Gaza?
Daniel R. Schnaider – O primeiro passo é sempre se perguntar se eles têm uma população palestina ou árabe grande e como os interesses deles estão vinculados aos países árabes. O que estou querendo dizer, é que sempre há interesses políticos que não estão alinhados com a responsabilidade moral de quem claramente vê que o propósito de Israel sempre foi declarar tratados de paz. Precisa ser entendido o conflito de interesses.
Julgar Israel é uma ameaça vazia, é um dos exército mais éticos do mundo. O nível de moralidade é tal que a pessoa não executaria algo imoral ou ilegal. Trabalharam arduamente para ter alta precisão de seu arsenal para não atingir civis. Mas você tem um grupo terrorista que esconde suas armas embaixo de hospitais e escolas, que usam crianças como escudo, o que mostra que não é uma guerra fácil, mas necessária, pois se Israel não lutar e vencer hoje, isso irá comprometer também as próximas gerações de palestinos, não apenas de Israelenses.
É um conflito necessário, inclusive para a Colômbia e Espanha, porque não é bom para ninguém se esse fundamentalismo se espalhar. É possível que publicamente se manifestam de uma forma e privadamente de outra. Quando os amigos do Hamas, os Al Qaeda, derrubaram as Torres Gêmeas, não perguntaram se os prédios estavam livres de espanhóis ou colombianos.
DC: Há uma expectativa de que Israel inicie uma ofensiva terrestre em Gaza para tentar neutralizar o Hamas, alguns especialistas acreditam que se Israel optar por esta tática, cairá em uma armadilha preparada pelos terroristas, já que o inimigo não possui centro de gravidade. Como o senhor vê a intenção de Israel de uma incursão terrestre?
Daniel R. Schnaider – Eu acredito que eles serão esmagados, destruídos e se arrependerão de terem começado esse conflito. E sim, morrerão tanto pessoas do lado do Hamas, quanto do exército israelense, inclusive, inocentes que serão usados como escudo. Porém, Israel se prepara há mais de 12 dias para essa entrada, fez inúmeros ataques em nível e potência que jamais foram vistos em 75 anos e eles sabem que existem armadilhas. Por isso que estão tirando um milhão de pessoas do Norte de Gaza, transferindo-as para o Sul. Já foram derrubados vários prédios de apoio ao grupo terrorista e eliminados elementos seniores deles. Eles estão sentindo a pressão, e por isso começaram a apelar à opinião pública para que essa guerra acabe o mais rápido possível e eles não deixem de existir, pois se esse conflito se estender por mais 90 dias, por exemplo, o Hamas será reduzido à apenas uma ideologia extremista, o resto será cinzas.
DC: Israel construiu quase 20 mil casas na Cisjordânia ocupada nos últimos dez anos do governo de Benjamin Netanyahu, o senhor acredita que ainda há chances de paz entre Israel e Palestina?
Daniel R. Schnaider – Essa guerra abrirá uma oportunidade gigante para uma declaração de paz, principalmente se o mundo ajudar a derrotar o Hamas. Isso porque eles não têm interesse em paz, então, destruir este tipo de instituição é fundamental. Possivelmente, os EUA atacará o Irã para neutralizar a capacidade militar do país, além de destruir o programa nuclear deles de uma vez por todas. Está claro que eles são uma nação de terroristas que quer disseminar o Islã fundamentalista e não poupa crianças, nem idosos para conseguir fazer o que querem. Agora imagina ataques com armamentos atômicos? Isso pode acontecer, infelizmente a guerra será parte do processo de pacificação. Lembrando que a Europa só conseguiu um alinhamento interno após centenas de anos ou mais de guerras sangrentas.
Do outro lado, seria um acordo com a Arabia Saudita, que além de melhorar a vida dos palestinos substancialmente, seria um aviso claro para o Irã para seguirem o caminho da diplomacia ao da guerra.
Um desafio para a paz é a liderança Palestina, que por um lado é terrorista e pelo outro é considerada altamente corrupta. Eles tem que decidir melhorar a sua vida, não adianta ficar esperando que os outros façam isso no seu lugar. Este é o custo de ter independência.
Quando houver um parceiro para negociar a paz do outro lado, o problema dos assentamentos será resolvido, da mesma forma que Israel saiu dos assentamentos no Sinai do Egito, devido ao acordo de paz em 1979 e em 2000 quando deixou o sul do Líbano, e 2005 quando deixou Gaza.
É um interesse de quem quer paz que instituições formadas por grupos terroristas sejam eliminadas. É um interesse para quem quer paz, que a economia Isralense cresça, pois ela é a base do emprego para 2 milhões de árabes israelenses e cinco milhões de palestinos. Mas não há possibilidade de ter paz, quando mísseis são jogados para cima de qualquer país.