Forças israelenses dispararam contra um comboio de ambulâncias nos portões de acesso ao Hospital al-Shifa, na Cidade de Gaza, maior complexo de saúde do território sitiado.
As informações são da rede de notícias Al Jazeera.
As ambulâncias carregavam entre 15 e 20 pacientes em estado grave em direção à travessia de Rafah, com o Egito, para que pudessem deixar o enclave palestino, assolado por ataques indiscriminados de Israel.
Dezenas de milhares de deslocados à força se abrigam dentro e nos arredores do hospital, em busca de refúgio da campanha militar.
Desde a semana passada, Israel preconiza um ataque devastador ao centro médico, após o premiê Benjamin Netanyahu divulgar uma montagem em suas redes sociais afirmando que células do grupo de resistência Hamas estão abrigadas no subterrâneo local.
Sua alegação é condizente com a campanha de desinformação e propaganda de guerra israelense, a fim de avalizar chacinas em áreas civis densamente povoadas aos olhos do público e da comunidade internacional.
Profissionais humanitários e médicos estrangeiros que trabalharam em al-Shifa desmentiram as acusações da liderança colonial sionista.
Al-Shifa, como os outros poucos hospitais ainda operantes em Gaza, sofre de superlotação e grave escassez de suprimentos de saúde. Médicos se veem obrigados a realizar cirurgias nos corredores, até mesmo sem anestesia.
Cerca de 20 mil pessoas estão abrigadas em al-Shifa, advertiu Tareq Abu Azzoum, correspondente da Al Jazeera em Gaza.
“As áreas ao redor do hospital estão repletas de pessoas que estão efetivamente morando aqui. Falamos de mais de 20 mil palestinos residindo no complexo”,
reafirmou o jornalista. “
Eles estão ficando sem alimento, combustível e medicamentos. Não é o primeiro ataque. Ataques como esse se repetem desde o início do atual ciclo de violência”.
Ashraf al-Qudra, porta-voz do Ministério da Saúde do governo local, estimou dezenas de mortos, junto de um ataque direto contra uma ambulância em uma estrada ao longo do litoral palestino. São possivelmente centenas de feridos.
“Se não houver um salvo-conduto para combustível e insumos de saúde, assim como para a evacuação das vítimas, perderemos cada vez mais vidas. Estamos impotentes aqui”, alertou al-Qudra.
Ao falar com a Al Jazeera, Muhammad Abu Silmeyeh, diretor do hospital al-Shifa, reiterou que a situação em Gaza é “além de extrema”.
“Esgotaram os suprimentos médicos, não conseguimos acomodar o alto número de vítimas e, em pouquíssimas horas, os geradores vão parar”, reiterou Abu Silmeyeh. “Os necrotérios estão totalmente lotados. Nossos mortos são mantidos nos caminhões frigoríficos”
“Estamos mandando mensagens de SOS a todo o mundo”, acrescentou o médico, ao insistir que seu hospital tem o maior departamento de incubadoras de Gaza, cujos recém-nascidos podem morrer em minutos em caso de blecaute.
Al-Shifa também tem o maior centro de operações e a maior unidade de terapia intensiva (UTI) do território sitiado.
“O edifício atrás de mim abriga milhares de pacientes e vítimas”, reafirmou. “Está agora sem luz. Se vocês querem matar o que resta de nós, ao menos nos digam. Se este hospital deixar de funcionar, todo o setor de saúde entrará em colapso”.
O pátio frontal onde as ambulâncias foram alvejadas é “extremamente repleto” de civis, informou ainda Mohamed Abu Musbah, porta-voz do Crescente Vermelho da Palestina.
Conforme seu relato, um motorista e um membro do Crescente Vermelho que escoltava os feridos sobreviveram. Um deles, contudo, foi atingido por estilhaços na perna. Junto deles, havia uma mulher em “condição grave, levada de volta a al-Shifa”, confirmou Abu Musbah.
No entanto, não há números exatos sobre as baixas entre os pacientes até então.
‘O que vimos hoje, vemos muitas vezes’
Mads Gilbert, médico que trabalhou previamente em al-Shifa, disse à Al Jazeera que há “canais de comunicação sofisticados” para coordenar e proteger comboios médicos em Gaza, mas que isso não impede Israel de atacá-los diretamente.
“Eu mesmo estive com pacientes em comboios que saíram de al-Shifa rumo a Rafah e que tiveram de dar meia-volta por causa dos disparos israelenses, apesar da coordenação com Cruz Vermelha e carros de escolta por todo lado”, recordou Gilbert.
Como médico, Gilbert vivenciou os bombardeios a Gaza em 2006, 2009, 2012 e 2014.
“É uma experiência apavorante — ter a responsabilidade sobre um paciente, muitas vezes entubado e gravemente ferido, e sentir-se nu na esperança da decência internacional e do respeito a regulações que o protejam”, acrescentou. “Vimos isso muitas vezes”.
“Trata-se da mais recente de uma longa tendência de ataques extremamente cínicos e violentos executados pelo exército de Israel, contra pacientes, trabalhadores de saúde, ambulâncias e hospitais”, concluiu Gilbert.
Em 17 de outubro, Israel executou um ataque direto contra o Hospital Baptista al-Ahli, na Cidade de Gaza, matando 500 pessoas. Após o incidente, o exército israelense aventou a propaganda de guerra de que o ataque decorreu de um disparo da resistência palestina, versão desmentida pela escala da destruição e análises independentes.
Israel lançou mais de 25 mil toneladas de explosivos desde o início de sua atual escalada contra Gaza, em 7 de outubro, em retaliação a uma operação surpresa do movimento de resistência Hamas que cruzou a fronteira e capturou soldados e colonos.
Segundo o Monitor Euromeditarrenâneo, o volume de explosivos — 10 kg per capita — excede os bombardeios atômicos de Hiroshima e Nagasaki.
Foram mortos 9.061 palestinos até então, incluindo 3.760 crianças e 2.326 mulheres. Outras 32 mil pessoas ficaram feridas, além de 2.060 desaparecidos sob os escombros — dos quais 1.120 crianças.
As ações israelenses equivalem a punição coletiva, crime de guerra e genocídio.
Ataque perto do Hospital Indonésio
Outro bombardeio israelense foi reportado ainda hoje nos arredores do Hospital Indonésio, no norte de Gaza. Vídeos da Al Jazeera mostram pessoas em pânico em meio aos destroços e à fumaça.
Atef al-Kahlout, diretor do hospital, reportou ao menos 50 mortos, além de dezenas de feridos. Ao menos 40% são crianças, prosseguiu o seu relato.
O principal gerador do hospital parou de funcionar há 48 horas.
“Sofremos gravíssima falta de pessoal e suprimentos médicos. Apelamos à comunidade internacional para que dê proteção ao comboio marcado para sair amanhã em direção à travessia de Rafah”, conclamou al-Kahlout ao confirmar o ataque.