Venezuela repudia proposta de governo de transição defendida por Estados Unidos

Diário Carioca

O secretário de Estado estadunidense, Mike Pompeo, propôs, na última terça-feira,(31), um plano de transição política para a Venezuela que incluiria a saída do presidente Nicolás Maduro e o fim da narrativa de autoproclamação do deputado Juan Guaidó. O chamado “Marco Democrático” inclui a formação de um governo de transição e a convocatória de eleições legislativas e presidenciais até o final de 2020.

Para isso, seria formado um Conselho de Estado composto por dois membros de cada partido ou bancada que possuir 25% das cadeiras da Assembleia Nacional. Os representantes poderiam ser deputados ou governadores e o Conselho de Estado teria ainda um assessor militar da Força Armada Nacional Bolivariana (Fanb). O presidente do Conselho também atuaria como chefe de Estado interino da Venezuela e não poderia se candidatar às eleições gerais.

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A contrapartida seria o levantamento de sanções unilaterais impostas contra o país caribenho desde 2015, durante a administração de Barack Obama.  Além de querer decidir o futuro político de outro país, o governo de Donald Trump ainda estabelece condições. 




Plano de governo de transição foi apresentado pelo secretário de Estado Mike Pompeo e pelo enviado especial Elliott Abrams como uma “solução” para a crise venezuelana / Divulgação

O documento, apresentado na última terça-feira (31), propõe um cronograma de 14 pontos, nos quais são detalhadas quais sanções os EUA iriam eliminando à medida que os marcos fossem sendo cumpridos.

Entre eles está a destituição da Assembleia Nacional Constituinte (ANC), um órgão plenipotenciário criado através de plebiscito popular, em 2017, que teve mais de 7 milhões de votos, mesmo num cenário de conflitividade política, ocasionado pelas guarimbas (atos violentos realizados por opositores). A ANC, que é presidida por Diosdado Cabello, segundo vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), o mesmo de Maduro, deve propor uma nova Carta Magna para o país até o final de 2020.

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Um outro ponto é a restituição da imunidade parlamentar a deputados opositores, incluindo Juan Guaidó. Em todos os casos, o fim da imunidade parlamentar foi um pedido do Ministério Público ou do Tribunal Supremo de Justiça à ANC para que pudessem iniciar investigações contra os parlamentares, que estiveram envolvidos em planos de desestabilização do país.

Também exigem a mudança dos juízes do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Em 2015, novos magistrados foram eleitos, depois de participar do processo, a oposição não o legitimou e, desde então, acusa de que tanto o TSJ, como o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) são compostos majoritariamente por personagens chavistas.

Segundo Diego Sequera, analista político do portal venezuelano Misión Verdad, a proposta era a mesma defendida pela oposição aglutinada em torno de Juan Guaidó nas mesas de diálogo na Noruega, em 2019. “Está claro que Guaidó não serviu para nada. Era uma conclusão previsível para todos, menos para os departamentos de Estado e de Segurança dos Estados Unidos. Este ajuste busca novas apostas”, aponta.

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Em comunicado, o Ministério de Relações Exteriores destaca que a Venezuela é um país soberano, democrático e independente e que não aceitará tutelagem de nenhum governo estrangeiro, ainda classificou a atitude da administração estadunidense de “miserável”.

“É a administração Trump que deve se colocar para um lado e levantar medidas coercitivas unilaterais que até os seus legisladores reconhecem que impedem, na prática, que a Venezuela possa adquirir insumos humanitários. É tempo de abandonar sua estratégia fracassada de mudança de governo à força”, anunciou o ministério. 

#COMUNICADO | Venezuela repudia las infamias proferidas por el gabinete de seguridad de Trump contra el Gobierno Bolivariano.Sin embargo,saluda que al fin EEUU tome acciones para controlar sus vulnerables y descuidadas fronteras de la droga proveniente del narcotráfico colombiano pic.twitter.com/SNGRAXaWq5

— Jorge Arreaza M (@jaarreaza) April 1, 2020

Para Sequera, a situação levará ao recrudescimento das sanções contra a Venezuela. “Pompeo está forçando a situação para obter vitórias. Desde o assassinato de Qassem Soleimani [major-general iraniano assassinado em janeiro deste ano por forças estadunidenses], ele tratou de implementar uma lógica que representa a ala neoconservadora que está detrás dele”, afirma.

O documento apresentado por Pompeo e defendido por Elliott Abrams, enviado especial do departamento de Estado dos EUA para a Venezuela, é divulgado menos de uma semana depois de que um ex-militar venezuelano revelara um novo plano de golpe de Estado e assassinato de Nicolás Maduro, que seria coordenado por Juan Guaidó e assessores da Casa Branca.

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O plano também surge depois de que o secretário geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, e a Alta Comissionada para os Direitos Humanos, Michelle Bachelet, defendessem o levantamento de bloqueios e sanções unilaterais por conta da covid-19.

“Há que analisar isso, não só exclusivamente olhando a relação Venezuela-Estados Unidos, senão também na relação EUA com os outros países que sancionam, porque, por mais débeis e tímidas que sejam as posições da União Europeia, estão de acordo que durante uma pandemia global se contenham as sanções”, comenta o analista venezuelano.

Novas ameaças

Na última quarta-feira (1), Donald Trump também anunciou um operativo militar antidrogas no Caribe, enviando navios para cercar a fronteira marítima venezuelana, alegando que o país seria uma ameaça particular por sua suposta atividade narcotraficante.

A operação inclui o envio de tropas do Comando Sul – braço do Pentágono que controla as bases militares dos EUA na América Latina – em cooperação com forças de segurança de 22 países para aumentar a vigilância, interrupção e confisco de carregamentos de drogas.




Rotas das tropas militares estadunidenses sugerem um possível bloqueio naval contra a Venezuela / Marinha EUA

O vice-presidente de Comunicação, Turismo e Informação da Venezuela, Jorge Rodríguez, assegurou que o governo bolivariano repudia as declarações. “Numa tentativa desesperada de desviar a atenção da grave crise humanitária que vive o país, como uma consequência da gestão equivocada das suas autoridades da pandemia da covid-19. No entanto, além das agressões e mentiras ditas sobre funcionários venezuelanos, o governo bolivariano felicita, que pela primeira vez em décadas, as autoridades dos Estados Unidos tomem ações para resguardar suas fronteiras, historicamente descuidadas, vulneráveis e permeáveis às milhares de toneladas de drogas que entram anualmente neste país”. 

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Os Estados Unidos são considerados um dos maiores consumidores de drogas ilícitas do mundo. Segundo o Relatório Mundial sobre Drogas das Nações Unidas, em 2018, os EUA se classificava como o maior consumidor de opioides e anfetamina no mundo. Ainda, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Uso de Drogas e Saúde feita pela Administração de Serviços de Abuso de Substâncias e Saúde Mental dos EUA, 31,9 milhões de pessoas com 12 anos ou mais havia consumido alguma droga ilícita nos últimos 30 dias.

O Departamento de Justiça reconhece que cerca de 70 mil estadunidenses morrem todos os anos por overdose.

Enquanto isso, a Colômbia é o maior produtor de cocaína do mundo, segundo a ONU, em 2017, foram cultivados 171 mil hectares da planta de coca no território colombiano. Já o México é o primeiro em produção de cannabis. Apesar das declarações da administração Trump, a Venezuela não se encontra em nenhum ranking de consumo ou produção de substâncias ilícitas.

Para Diego Sequera, as ações do Executivo estadunidense buscam tirar a atenção da crise de saúde e sanitária provocada atualmente pela pandemia do novo coronavírus, que acontece justamente em um ano eleitoral, em que Trump busca se reeleger. “O que vamos ver daqui em diante vai ser muito mais catastrófico para os Estados Unidos e, consequentemente, mais difícil de levar adiante a sua política exterior. Eu acredito que as pressões dos Estados Unidos vão se traduzir em mais tensões, dor e complicações à vida diária venezuelana, mas não vai conseguir mudar o regime”, finaliza.

Edição: Vivian Fernandes


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