Comecei a frequentar o Sudoeste na virada do século. O urbanista Lúcio Costa, que projetou o Plano Piloto, sede do Distrito Federal, criou também o Sudoeste, que faz parte do projeto Brasília Revisitada. Iniciado em 1989, o bairro é o metro quadrado mais caro do DF, em torno de 17.750 reais, um dos mais caros do Brasil.
Havia um restaurante paraense na Quadra 302 e de vez em quando eu passava por lá, com minha esposa e filha. Hoje, quando quero tomar tacacá, ou comer maniçoba, ou unha de caranguejo, vou ao Du Pará, na 714 Norte, Bloco G. Há alguns anos, comecei a frequentar a associação local da Seicho-No-Ie, a Barbearia Peixoto e a padaria, café e restaurante Paes e Vinhos, todos na Quadra 103, Bloco B.
A Avenida Central do bairro tem cinco quadras comerciais, de um lado e de outro da via, cada quadra com três blocos de dois andares, cheios de restaurantes, bares, cafés, lanchonetes, padarias, sorveterias, quiosques, frutarias, supermercados e todo tipo de serviços. À noite, a região pulsa até tarde, em um bolsão de luzes.
Nessa época, eu sonhava em morar no Sudoeste. Quando queremos muito uma coisa, e isso não vai prejudicar ninguém, mas só vai levar felicidade a todos os envolvidos, essa coisa chega por acréscimo. E foi o que aconteceu comigo. Como em um passe de mágica, moro hoje no Sudoeste, no coração do bairro, a Quadra 102. O comércio contínuo começa na Quadra 100 e vai até a 104, de modo que a Quadra 102 fica entre as 100 e 101 e as 103 e 104, e entre a Avenida Central e o Parque da Cidade.
O Parque Dona Sarah Kubitschek foi fundado em 11 de outubro de 1978, graças ao governador Elmo Serejo Farias. Com 420 hectares, cerca de 420 campos de futebol, é o maior parque urbano da Ibero-América, e muito agradável, com uma infinidade de árvores, especialmente mangueiras, um lago artificial, inúmeras quadras de esportes, o maior parque de diversões de Brasília, o Nicolândia, o Parque Ana Lídia, infantil, centro hípico, pistas de caminhada, patinação e ciclismo, equipamentos de ginástica, kartódromo, restaurantes e uma grande quantidade de quiosques comerciais e de serviços.
Além do Parque da Cidade, ao sul, o Sudoeste faz divisa com o Eixo Monumental ao norte, separando-o do Setor Militar Urbano (SMU); a leste, com o Setor de Indústrias Gráficas (SIG), onde fica o outrora poderoso Correio Braziliense; e, a oeste, com o Cruzeiro Velho, reduto dos cariocas, Cruzeiro Novo e Octogonal, onde fica o Terraço, um agradável shopping com cinemas e uma grande loja da Livraria Leitura, além de praça para shows e muitos restaurantes e cafés bacanas.
Quando trabalhei no Correio Braziliense, nos primeiros anos da década de 1990, o Sudoeste era um pedaço do Cerrado, com algumas invasões, e onde caçadores que vinham do Cruzeiro caçavam, principalmente tatu. Em 1993, os primeiros prédios residenciais e comerciais começaram a ser construídos. Hoje, são cerca de 20.863 domicílios, apartamentos e quitinetes, e mais de 55 mil habitantes.
Gosto de ir à Pães e Vinhos, onde encontro meu amigo Bond, que é um sujeito extraordinário. Não posso dizer o nome verdadeiro dele, porque trabalha no setor de inteligência do governo e é uma das minhas fontes. Assim, trato-o por Bond, James, James Bond e 007. Carioca, tem a mesma idade que eu, 67 anos, e mora também no Sudoeste, sozinho, em um belo apartamento de quatro quartos, entupido de livros e de uma parafernália eletrônica.
Bond é doutor em política internacional, graduado em filosofia, hacker, domina cerca de dez idiomas, agente secreto por concurso e escritor, ensaísta; escreve sobre corrupção. Capitão reformado do Exército, paraquedista, conheceu o inferno durante sua participação na Missão de Estabilização da ONU no Haiti, comandada pelo Exército brasileiro.
Conhecemo-nos por duas razões: sou terapeuta em Medicina Tradicional Chinesa, acupunturista, como somos conhecidos no Brasil, e ele é médium. Há algum tempo Bond começou a sentir dor na perna esquerda, mas os exames não acusavam nada. Um amigo comum, que trabalha no Senado Federal, paciente meu, além do seu núcleo familiar, falou sobre o meu trabalho, revelando-lhe, é claro, que sou também jornalista, mas do tipo que só mente quando estou trabalhando na minha principal atividade: a de ficcionista. Também avisou que sou discreto, tanto que muitas vezes sou chamado de tímido.
Mas o que realmente levou Bond a apostar em mim foi o fato de que sou espiritualista, sabedor de que o Universo é povoado por uma infinidade de raças e que a Terra é um planeta primitivo, onde purgamos nossos carmas até evoluirmos para outros planos da consciência.
Integro uma equipe de terapeutas que realiza trabalho voluntário no Centro Espírita André Luiz (Ceal), no bairro do Guará I, aos domingos, atividade suspensa desde o início da pandemia do vírus chinês. No Ceal, costumo atender médiuns da casa, desses que convivem também com os “mortos”, ou seja, com os espíritos, e dois deles me comunicaram que eu estava acompanhado por um guia, que se apresentava como um caboclo ribeirinho da Amazônia. Bond também o viu ao meu lado.
O fato é que comecei a trabalhar como acupunturista já no segundo semestre do curso técnico de Medicina Tradicional Chinesa, que fiz na Escola Nacional de Acupuntura (Enac), em Brasília, uma das melhores instituições de Medicina Chinesa do país. Paralelamente a isso, mergulhei no estudo do espírito, pesquisando Massaharu Taniguchi, Allan Kardec, André Luiz, Laércio Fonseca, Jorge Bessa, Richard Gerber e vários espíritos do mais alto gabarito, entre os quais Joseph Gleber, para citar apenas algumas das minhas fontes.
Assim, comecei a desenvolver uma mediunidade para sentir a aura dos pacientes, diagnosticando e investigando causas no corpo astral e no duplo etéreo, além do corpo físico. Quando examinei Bond, no apartamento dele, perguntei-lhe se havia, ou se houve, uma séria desavença entre seu pai e ele. Então, Bond me contou um pouco da sua vida.
Nasceu no Morro dos Cabritos, na Zona Sul do Rio de Janeiro, o caçula de seis filhos. Tinha sete anos quando seu pai abandonou a família.
– Não disse sequer adeus! Eu chorei durante anos!
Seu irmão mais velho estava com 17 anos e fazia todo tipo de serviço honesto para ajudar a mãe, uma mulher de quem Bond recebeu dois patrimônios imensos: amor no coração e sede de saber. Aos 18 anos, engajou-se no Exército, pela comida, e assim que se sentiu em condições começou a investigar o paradeiro do pai, até descobrir que fora enterrado como indigente.
– Perna esquerda é pai – disse-lhe. – Se você não ora, comece a orar, e nas suas orações agradeça a seus antepassados, especialmente a seu pai; diga-lhe que o ama, peça-lhe perdão e diga-lhe que já o perdoou, e agradeça-lhe por ele o ter gerado e o amado, mesmo do modo como ele sabia amar, não importa.
Lágrimas rolaram dos olhos do capitão.
– O atrito mental gerou uma artrite na perna esquerda, que simboliza o pai. Com as agulhas, vou tirar a estagnação, principalmente no meridiano do baço – disse-lhe, procedendo exames de língua e pulso, e anamnese.
Na semana seguinte, Bond estava sarado, e em paz com seu velho.
No nosso último encontro conversamos bastante sobre os fabianos, os comunistas disfarçados de cordeiros. Movimento político-social britânico, a Sociedade Fabiana surgiu em 4 de janeiro de 1884, com a missão de preparar a classe operária para assumir o controle das fábricas. Defendia ainda saúde e ensino gratuitos.
Inspiraram-se no cônsul Fábio Máximo, o Cunctator, o que adia. Fábio enfrentou o maior terror de Roma, Aníbal, general cartaginês que aterrorizou Roma na Segunda Guerra Púnica. Fábio adotou a estratégia da guerra de desgaste, estudando os pontos fracos do inimigo e esperando o quanto fosse preciso para atacar.
Assim, o fabianismo acredita na evolução gradual da sociedade, no evolucionismo, uma caminhada passo a passo rumo ao socialismo, não revolucionária. Inspirado nas ideias de Stuart Mill, pregava o bem-estar de todos, com intervencionismo do Estado. Foi da Sociedade Fabiana que surgiu o Partido Trabalhista britânico, fundado em 1906.
Como camaleões, os fabianos mudam de cor dependendo do ambiente. Nos Estados Unidos, o Partido Democrata está aparelhado. Mas, hoje, os fabianos querem o comunismo de qualquer maneira, mesmo que seja às claras, sem sofisma, sem essa história de socialismo, de evolucionismo, estão sedentos pelo Estado gordo, pelas mordomias à disposição dos controladores do totalitarismo, com revolução, se for o caso, mas se der para fazer igual Fábio Máximo, minarão a democracia pela própria democracia, aos poucos.
É o caso do Brasil. Lula, e seu Partido dos Trabalhadores (PT), teve uma década e meia para aparelhar o Estado, incluindo a grande imprensa, embora não tenha combinado com os russos, isto é, com as Forças Armadas, último bastião dos conservadores patriotas. Em jejum forçado da burra, os fabianos brasileiros vêm tentando, desde 2018, todos os dias, aplicar um golpe fatal na democracia, estraçalhando inclusive a Constituição.
É o caso da CPI do vírus chinês, ou do cão chupando manga verde no despautério dos desesperados por grana. Desde o início da pandemia o supremo Tribunal Federal (STF) amarrou as mãos do presidente Jair Messias Bolsonaro e exigiu dele que enviasse centenas de bilhões de reais para governadores e prefeitos e deixasse com eles o combate à epidemia.
Foi o inferno. Governadores e prefeitos encerraram as famílias em casa e houve prefeito que mandou soldar a porta de comércios. Pessoas nas ruas sem máscara eram dominadas e algemadas, mesmo que fossem mulheres grávidas, e, em vez de comprarem equipamentos para salvar a população, desviaram bilhões e bilhões de reais.
Aí, o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ordenou ao Senado a criação da CPI do vírus chinês para incriminar Bolsonaro pelo roubo do dinheiro que ele enviou para os estados e porque ele defende o tratamento precoce da covid-19. Como acusá-lo de roubar é sandice, resolveram acusá-lo de curandeirismo.
O presidente da CPI é Omar Aziz, ex-governador do Amazonas e que já foi investigado pelo desvio de 260 milhões de reais da saúde e por pedofilia; o relator é Renan Calheiros, de Alagoas, um prontuário criminal quilométrico e cabeludo; e o vice-presidente, Randolfe Rodrigues, pernambucano que migrou para o Amapá, já só consegue ficar de uma só cor: vermelho.
As vítimas convocadas para interrogatório são geralmente pessoas chegadas a Bolsonaro, como o empresário Luciano Hang. Lá, eles descascam quem se mostrar incauto. Os que se impressionam com o bando, choram, e quem enfrenta a inquisição e responde na mesma moeda é preso. Mas a maioria que lá esteve mostrou que não tem medo do cão, mesmo com a carantonha do diabo ao chupar manga verde na bacanal fabiana.
Os fabianos, ou lobos, não se disfarçam mais somente de cordeiro, mas também de anta, mapinguari, dragão-de-komodo, calangro da caatinga, gazela, e até de vampiro. Mas são sempre escorpiões. É assim que disparam nos próprios pés. Chinês gosta de escorpião.
Bond me alertou para uma coisa que me deixou de cabelos em pé: os presos políticos, amigos de Bolsonaro. Eles não têm como se defender na prisão e podem ser induzidos a tomar uma overdose do seu próprio medicamento, caso de Roberto Jefferson, presidente do PTB