Desde o primeiro dia de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, têm puxado o coro em prol do desenvolvimento sustentável e da queima zero de carbono até a próxima década. Porém, no horizonte próximo, suas ambições esbarram em projetos ainda em tramitação no Congresso Nacional, apoiados pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), nome formal da bancada ruralista.
Herança do governo Bolsonaro, o chamado Pacote da Destruição ainda é representado por diversas alterações de normativas que poderiam trazer graves ameaças aos biomas brasileiros. No dia 2 de maio, o Plenário do Senado aprovou uma Medida Provisória que altera a Lei de Gestão Ambiental. A MP 1151/22 muda regras da lei de gestão de florestas públicas por concessão, permitindo a exploração de outras atividades não madeireiras e o aproveitamento e comercialização de créditos de carbono.
EMBED
O texto da medida passou por alterações do poder Executivo que abrandaram alguns pontos, mas ainda pode ser aprovado com pioras relevantes para o Código Florestal. De acordo com Suely Araújo, especialista em políticas públicas do Observatório do Clima, a concessão florestal é um tema importante, mas deveria ser melhor debatido e apresentado em formato de projeto de lei, uma vez que abarca outras normas vigentes.
“Além da questão de fazer exploração de madeira no plano de manejo sustentável, a MP previa a possibilidade dos contratos de concessão tratarem de acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, o que é super perigoso. É uma legislação diferente, um regime jurídico específico, e a MP estava misturando isso com concessões florestais”, explica.
Na avaliação da ambientalista, o próprio texto é inconsistente e pouco claro quanto ao entendimento do que seria considerado reserva legal. “Nós não sabemos, pela forma que está redigido, nem qual a intenção. Nos dá a sensação de que ele abre margem para pagamento por serviços ambientais inclusive de áreas de plantio de eucalipto ou similares. Nos informaram que o Executivo tenta vetar esse artigo 4o, que é o pior dispositivo”, afirma.
Para o advogado Guilherme Eidt, assessor técnico do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), o forte ruralismo presente na atual legislatura tem dificultado a governabilidade. Ele teme que temas ambientais possam ser considerados de menor importância se comparados com outras prioridades, como as aprovações do arcabouço fiscal e da reforma tributária, mas acredita em certa resistência no Senado para outras matérias.
“Existem compromissos pessoais do (Rodrigo) Pacheco (presidente do Senado) em dar o devido trâmite às proposições que estão lá no Pacote da Destruição, que passem e sejam ouvidas em todas as devidas comissões. Na Câmara não seria diferente essa expectativa da sociedade civil, embora a correlação de forças seja menos favorável em relação à proeminência do ruralismo na Casa”, lembra Eidt, que também ressalta a existência de pautas “positivas” nas Comissões de Meio Ambiente, que tentam reforçar a governança ambiental.
Outras propostas anti ambientais podem tramitar em ritmo acelerado
Há preocupação especial de ambientalistas e governistas com outra Medida Provisória – a MP 1150/22 – que pode ser colocada em votação na próxima semana, seguindo rito acelerado de tramitação desde a pandemia, sem passar por comissões mistas. Além de prever novo adiamento para a regularização ambiental de imóveis rurais, a medida também passou a incluir artigos que, na prática, podem reduzir a proteção à Mata Atlântica.
Ambientalistas reclamam da proposta envolver um novo adiamento na implementação dos programas de regularização fundiária rural, abrindo espaço para a grilagem de terras no bioma mais degradado do país. Há uma reivindicação para que o processo envolva, principalmente, as comunidades tradicionais e indígenas, que seriam os principais afetados por eventuais mudanças na lei.
“Uma medida que era para tratar do prazo do cadastro ambiental rural, que em si já é um problema porque posterga a implementação de medidas de proteção que constam no código florestal. Na MP foram inseridas umas séries de ‘jabutis’, alternando coisas muito caras à proteção da Mata Atlântica e provocando uma série de possíveis estragos nas medidas de proteção e nas metas, compromissos climáticos que o governo vem fazendo”, afirma Eidt.
Suely Araújo também espera que os artigos inseridos ao texto sejam retirados, além de observar que a legislação já vigente também não estava surtindo efeito. “O Código Florestal é de 2012, já tem uma década, e você fica adiando os prazos de regularização dos registros obrigatórios do Cadastro Ambiental Rural. São 5% só dos imóveis rurais depois de 10 anos estar validado, então a lei está inaplicada na prática, naquilo que ela tem de mais essencial. Mas isso a gente está até acostumado, o pior mesmo é a questão da inserção de dispositivos alterando a Lei da Mata Atlântica”, protesta.
Outra medida que está em tramitação acelerada no Senado é o chamado PL do Veneno, que prevê a alteração na atual legislação sobre os agrotóxicos, de 1989. Sob protestos de diversas organizações ambientais, a medida inclui um artigo que exclui a vedação a produtos cancerígenos, patogênicos e mutagênicos que causem distúrbios hormonais.
Já que o projeto partiu da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado, agora já não será possível fazer alterações nem nos seus artigos mais polêmicos, como o que enfraqueceria o papel de vigilância da Anvisa e do Ibama. A causa, que também se tornou uma bandeira levantada por artistas e celebridades, tem como meta descartar totalmente a medida, observando que ela não pode sofrer alterações essenciais.
“O país não precisa de uma nova lei de agrotóxicos. Se tiver que serem feitas correções que façam na lei por decreto, isso realmente tem que ser engavetado e se possível arquivado. Eu não vejo solução e a gente espera que o presidente do Senado não coloque isso em pauta. Ele sabe da polêmica, da complexidade do tema e a demanda da sociedade civil tem sido no sentido de não pautar isso, isso não vai ser corrigido com emendas supressivas”, indica.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC) também criticou a medida e disse que ela vai na contramão do que a própria população brasileira quer, além de citar indicadores que já mostram os efeitos nocivos dos agrotóxicos. “Tem estados em que 20% das pessoas acometidas de câncer são agriculturas. Portanto, precisa enfrentar esse tema do ponto de vista do direito do consumidor. O consumidor quer um produto mais saudável, livre de químico, menos tóxico? Então a agricultura pode caminhar tecnologicamente para essa direção”, afirma.
Riscos ambientais podem partir do próprio governo
Como se não bastassem as ameaças no Parlamento, onde possui desvantagem numérica, o próprio governo Lula estuda projetos que trazem ameaças ao meio ambiente. Um deles é a construção da Ferrogrão, ferrovia por onde deve escoar produtos como a soja do Mato Grosso pelo Pará, que está em fase avançada de licitação.
Também preocupa os ambientalistas a pavimentação da BR-319, rodovia federal que liga Porto Velho (RO) a Manaus (AM), que envolveria obras em cerca de 400 km em uma atividade que poderia aumentar o desmatamento na região. Cogitada inicialmente por Jair Bolsonaro (PL), a exploração de potássio em terras indígenas no Amapá também já foi mencionada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) com a intenção de alavancar a produção nacional de fertilizantes.
No entanto, a ideia mais polêmica é a da exploração de petróleo na foz do rio Amazonas, que pode envolver toda margem equatorial brasileira, da costa entre o Amapá e o Rio Grande do Norte. A Petrobras já manifestou interesse em investir na perfuração de poços na região, mas um parecer técnico do Ibama de 20 de abril recomenda negar a licença à estatal em um dos blocos sob análise, localizado próximo ao Oiapoque. Ainda é aguardada a confirmação do presidente do órgão, Rodrigo Agostinho.
“Em relação à Licença do Bloco 59, tem que ser entendido que na verdade tem previsão de mais de 200 blocos na margem equatorial e o Bloco 59 seria o primeiro, pioneiro lá na foz. A foz é uma área muito pouco estudada, nós sabemos que a biodiversidade é enorme, que as condições locais são muito complexas para exploração de petróleo, com correntes bastante fortes. É bastante estranho a gente ter todo esse empenho para aumento da exploração de petróleo na época em que nós estamos”, diz Suely, em tom de crítica ao presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT).
Já Eidt ressalta o desafio de Lula, seus ministros e correligionários em alcançarem um equilíbrio dentro dos arranjos feitos em diversos campos ideológicos. “São vários governos dentro desse governo. A gente sabe que dentro dessa busca da governabilidade é preciso haver composições e de certa forma uma agenda como essa, da exploração do petróleo na Foz do Amazonas ou outras agendas relacionadas à expansão das hidrelétricas e infraestrutura em cima da área da Amazônia ou mesmo do Cerrado. Tudo isso são temas que fragilizam a posição do governo, na minha visão, à medida que para eles é preciso fazer essa concertação interna”, encerra.
Edição: Rodrigo Durão Coelho