Nesses tempos de pandemia em que estamos vivendo, há questionamentos sobre o fato da população brasileira ignorar as orientações dos órgãos de saúde, que mostram o isolamento social como forma de conter a propagação de novos coronavírus. Para entender o motivo, é preciso reconhecer o que, para além de Bolsonaro, é uma expressão máxima da necropolítica aplicada no Brasil na atualidade, temos contra o povo a negação histórica de acesso a uma política de educação que hoje agrava esse momento social.
Essa negação, que é identificada na estrutura dessa sociedade racial, patriarcal e de exploração que perdura via herança escravagista colonial e é potencializada no recrutamento de conservadorismo brasileiro, tem sua expressão exata nas estatísticas de 2018.
Uma ignorância funcional de uma camada do povo brasileiro serve para um projeto genocida da elite branca deste país, que tem mercantilização da vida humana sua principal fonte de dividendos. O sistema capitalista, ao promover a exacerbação do lucro, aprova-se consideravelmente nas últimas décadas ou no rompimento da humanidade com a natureza. É uma produção e uma reprodução da morte. Mata-se o povo, mas garante-se o lucro.
É certo que seja intencional a execução de um comportamento inapropriado do presidente Jair Bolsonaro no comando desta crise, e isso não ocorrerá com o comprometimento mental desse senhor. Não podemos relevância ou fato de que ele detectou 55, 13% dos votos válidos no pleito eleitoral. Eleição oriunda de golpe, mas que assumiu a aparência de democrática.
O esquema de notícias falsas produzido na ocasião reverberou em grande parte do eleitorado devido a um solo fértil da ignorância enraizada na sociedade brasileira. Estamos vivendo um período histórico em que as estatísticas podem ser individualizadas – reparadas em caixinhas – e se sobrepõem outras. Existe um rebaixamento da política quando não é possível explicar a profundidade da causa sob uma conseqüência.
Nesse sentido, apontamos o eleitorado bolsonarista como “gado” e outros adjetivos. Essa expressão – “gado” – talvez seja adequada para desmembrar ou qualificar uma elite brasileira sempre tratou e fez política para o povo, segundo dados historiográficos, tem cor e sexo. Ainda usa os termos “voto de cabra” e “curral eleitoral” para explicar os votos expressos das bancadas da bíblia, da bala e do boi diante da concentração de renda dessa galera em contraste com a escassez de recursos dos países do país que causam turma representante. A pergunta “como podemos eleger tantos ineptos?” não tem resposta simples como às vezes como análises faciais apontadas e reproduzidas acriticamente. Assim como aglomerações nas ruas com indicação de quarentena.
Veja apenas, em 2018, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o índice de analfabetismo absoluto no Brasil era de 11, 3 milhões de pessoas com 15 anos ou mais de idade, e o analfabetismo funcional chegará a 38 milhões de pessoas. Tal cenário mostra ou estimula a ignorância citada acima e, portanto, é um terreno fechado para idéias fascistas e obscurantistas da atualidade.
Não são dados menores, esses demonstrativos de educação, principalmente quando você aprova ou olha sobre quando, como e quem acessa o ensino público brasileiro, assim como sobre qual cartilha essa escola tem seus pilares construídos e quais os interesses que ela deve submeter enquanto projeto de sociedade. Se você pensar que uma educação como um direito social foi instituída na década de 38, mas foi somente em 1988 que o ensino obrigatório foi assumido pela Constituição, visualiza o tamanho da recuperação histórica que esse país tem que realizar junto ao seu povo.
Ao passo que essa recuperação histórica não é realizada, estamos todos e todos sujeitos à perversidade da elite brasileira, que não tem nenhum pudor em sustentar um projeto como o presidente atual para garantir seus interesses. O mau desempenho dessa elite atualmente expõe todo o povo e nos retira a possibilidade de dar um salto, enquanto a sociedade brasileira não se limita à nossa soberania nacional. O golpe de 2016 freia qualquer avanço para dentro da ordem de avanço educacional e de superação dessas estatísticas. O fato de os militares já operarem uma máquina por dentro e o projeto educacional de 1930, via escola sem partido e outros motores, está na disputa política institucional. Só falta uma comunicação oficial que diga neste momento os militares que governam, cabendo a Bolsonaro uma distração pública. A democracia brasileira segue sendo uma simbologia da brincadeira de gato-e-o-rato. Advinha quem é o rato?
Em Cuba, assume-se o compromisso de erradicar o analfabetismo após uma revolução de 1959, que já era inviável a tomada de consciência popular e garantir valores anti-imperalistas com uma população em sua maioria sem conhecimento formal e com dificuldades de interpretar a vida. O escritor Almícar Cabral – o pedagogo da revolução, segundo Paulo Freire – a teorizar sobre o enfrentamento ao colonialismo nos ensinos de sonhar a libertação do povo, se for necessário pensar métodos políticos pedagógicos para a determinada tarefa.
Portanto, podemos estar nas redes sociais que lamentam o povo que não está seguindo as regras impostas por esse período ou uso desse tipo de ócio para pensar e criar novos métodos pedagógicos de tomada de consciência e enfrentamento à ignorância imposta por um objetivo de projeto de colonização que segue firme e firme.
Cabe, neste momento em que toda a humanidade está voltando para dentro, nos questionar esse momento conjuntural é uma janela histórica e que faremos a partir dela, inclusive nos métodos coletivos.
O meu ver é fundamental seguir a máxima da poesia leminskiana: na luta de classes todas as armas são boas: pedras, noites e poemas. Até a vitória!
Andréia Roseno (Makota Kinanjenu) é assistente social, cantora do Afoxé Bandarere, militante da Rede de Mulheres Negras de Minas Gerais.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Cris Rodrigues e Joana Tavares