O mundo está de olhos atentos aos atos de protestos contra a violência policial que se apresentou em praça pública e levou à morte de George Floyd nos Estados Unidos. Mais do que uma vítima do Estado, George foi vítima da violência racial que é recorrente naquele país e aqui no Brasil.
Contudo, é importante que possamos refletir como essas situações nos impactam de modos diferentes quando se tratam de atos violentos ocorridos aqui, em todos os espaços, e dirigidos a pessoas negras. São inúmeros os casos de homens, mulheres, jovens, crianças, vítimas da violência racial, que perdem suas vidas ou as têm marcadas de modo indelével.
Lamentavelmente, no Brasil o que parece é que não há nada de errado nessas violações a direitos, com a dor e o sofrimento do outro, como se houvesse dois pesos e duas medidas, conforme a cor da pele do ofendido e seu lugar social. Aqui a violência racial impera. Porém, está tudo certo, ou seja, as coisas estão acontecendo como devem acontecer.
Afinal, quem morre são homens, mulheres e crianças negras, marginalizadas, que via de regra vivem em favelas ou nas periferias das grandes cidades, expostos naturalmente aos riscos das guerras de facções e confrontos com Estado.
Em nossa sociedade, a morte de pessoas negras em regiões de conflito deflagrados, ou não, é natural. E isto não é um problema, não é uma questão; é natural e faz parte do funcionamento normal da sociedade que foi constituída com uma base escravocrata e que se reconfigurou com o fim da escravização de modo a manter pessoas negras em situação de desumanização, subalternidade e vulnerabilidade.
A naturalização da violência é o cerne, o núcleo duro do racismo estrutural, que explicita ser o modo normal de funcionamento das coisas: pessoas negras injustamente sendo negligenciadas no seu dia a dia e, ainda, mortas pelas mãos do Estado.
O contrário não geraria descaso: fossem homens, mulheres ou crianças brancas, mortas em quaisquer circunstâncias que gerassem dúvidas acerca da conduta do agente, uma comoção social estaria instalada e as ruas, assim como nos últimos dias nos Estados Unidos, estariam em chamas, em proporções incalculáveis, clamando por justiça.
As mortes de pessoas negras são mortes aguardadas, estão no roteiro, não geram indignação, ódio, revolta, interesse, comoção social, ressentimento. Não há empatia, nem dor em nosso país.
Contudo, estejamos atentos ao alerta que a morte de George Floyd nos faz, pois já é passada a hora de refletirmos seriamente sobre isso. Precisamos olhar ao nosso redor e desnaturalizar violências raciais que ocorrem diariamente, humanizando o ofendido, assim como aqueles que estão em seu entorno e vivem nas mesmas condições nesse mundo, pois o contrário fortalece processos de opressão e exclusão.
A violência racial está em todos os espaços, em agressões e microagressões contra pessoas negras. Ela aparece quando alguém atravessa a rua ao ver um homem negro, quando não se contratam pessoas negras para postos qualificados, quando se oferece apenas trabalho informal, quando as escolas são dominadas apenas por professores e alunos brancos, ausentes de inclusão e diversidade.
A violência racial consiste em não implementar políticas públicas capazes de emancipar a população negra. Se apenas um grupo racial ascende e emancipa, há dois pesos e duas medidas em tudo o que se faz no espaço público e privado.
É chegado o momento de a branquitude levantar-se na luta antirracista, criando uma verdadeira corrente, assim como a que se viu em imagens que se espalharam pelo mundo, questionando, renunciando a privilégios e contribuindo para a construção de uma sociedade livre de desigualdades.
Deve-se entender, definitivamente, que o problema racial é das pessoas brancas, pois foram elas que criaram o sistema escravista e usufruem positivamente dos privilégios dele advindos até os dias atuais, desde a ocupação de espaços de poder até a fruição de uma vida livre em sociedade, provida de todos os bens e serviços ao seu bem-estar. Trata-se de um sistema que mantém apenas uma única raça em situação de vantagem na nossa nação e no mundo.
Nesse sentido, afirma-se que não pode haver meias palavras ou meio compromisso, mas sim empenho por inteiro no sentido de não tolerar qualquer forma de racismo ou discriminação.
Os atos que ora ocorrem nos Estados Unidos colocam o planeta em estado de alerta. A violência do opressor transformou-se na revolta do oprimido.
O país norte-americano clama e faz seu eco em nossas terras: a população negra está no limite da tolerância à discriminação, ao racismo e à desumanização. Não podemos mais sobreviver nesse modelo de relações raciais! Não conseguimos mais respirar!
Robson de Oliveira é advogado do Escritório Demarest Advogados, vencedor do Chambers Diversity & Inclusion Awards 2019, na categoria Future Leader – Minority Lawyers, membro do Comitê D Raízes do Demarest Advogados, da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP e do Fórum de Prevenção e Combate à Discriminação Racial no Trabalho do Ministério Público do Trabalho (MPT-SP), Coordenador do Projeto Incluir Direito, autor de artigos publicados.
Edição: Mauro Ramos