Não é de agora, com a pandemia de covid-19, que as condições de vida de idosos e aposentados vêm piorando no Brasil. Durante o governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o país vem assistindo a medidas como a reforma da Previdência, aprovada pelo Congresso Nacional em outubro de 2019.
Agora, após aprovação da renda mínima pelo Senado na última segunda-feira (30), o país assistiu à sanção presidencial com vetos de pontos como a ampliação do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que beneficiaria idosos e deficientes pobres, proporcionando um aumento do valor de um quarto para meio salário mínimo.
Segundo o Planalto, o veto à ampliação do BPC foi orientado pelos ministérios da Economia e da Cidadania. De acordo com o governo, o benefício teria impacto de R$ 20 bilhões nas contas públicas, o que iria ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Soma-se a essas medidas o desinteresse do governo pelos idosos que vivem no campo ou na informalidade.
Apoiado pela elite empresarial, o presidente têm contrariado as determinações da Organização Mundial da Saúde (OMS) ao desestimular, pessoalmente, o isolamento social, colocando em risco a vida de milhares de pessoas, principalmente, da terceira idade. Bolsonaro tem defendido o isolamento parcial, orientando que apenas idosos e pessoas do grupo de risco fiquem em casa.
A posição individual do presidente diverge até mesmo das orientações de seu ministro da Saúde, o médico Luiz Henrique Mandetta, com o qual tem cultivado uma relação desgastada. Em entrevista coletiva na tarde dessa quarta-feira (1º), Mandetta disse que idosos “não vivem em cápsulas“ ao justificar a importância do isolamento social de toda a população. Em uma pesquisa da pasta, que analisou o perfil de 136 pessoas que morreram por coronavírus, 90% dos mortos tinham mais de 60 anos de idade.
Perdas
Enquanto isso, em meio à quarentena de combate à propagação do vírus, idosos aposentados ou na ativa tentam, como podem, garantir o sustento de suas casas, uma vez que, em boa parte dos casos, seus rendimentos são a única fonte de renda da família.
“A gente faz esses trabalhos aqui para ser uma geração de renda para as mulheres. Agora, com o coronavírus, tá ficando difícil a venda do nosso trabalho e a participação nas feiras. As mulheres estão paradas e precisando trabalhar”, conta Lineide Bortoleto, trabalhadora rural e artesã que vive no Assentamento Marielle Vive, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, em Valinhos (SP).
Com história consolidada no Centro da capital paulista, o vendedor ambulante permissionado Ademar da Silva, de 78 anos, lamenta pelas perdas financeiras que vem enfrentando durante o fechamento do comércio.
“Tenho barraca lá na Praça Fernando Costa [no Centro de São Paulo]. Portanto, por causa dessa doença, ela tá fechada. Tô em casa e a situação não tá boa. Já tô passando necessidade, porque não tem como comprar as coisas, [comprar] remédios para mim e para minha esposa, todos os dois doentes. Preciso de alguma coisa para poder me manter”, relata.
Presidente da Associação dos trabalhadores Metalúrgicos Aposentados do ABC, Wilson Roberto Ribeiro demonstra preocupação quanto à posição do governo de vetar pontos do projeto de renda mínima. Para ele, a medida atinge a população idosa mais necessitada no momento.
“Tanto o Bolsonaro, quanto o Guedes precisam olhar um pouquinho mais para o trabalhador, olhar para essa classe que está no desespero, essa classe que não tem salário, que não sabe o que vai comer amanhã. Os camelôs, os catadores de papelão vão precisar desse dinheiro. Eles (do governo) fizeram a reforma da Previdência, a reforma trabalhista, dizendo que, em dez ou vinte anos, iam recuperar o dinheiro para fazer crescer o Brasil. Mas a fome é hoje, não é amanhã”, afirma Ribeiro, que também é presidente da Federação Nacional dos Trabalhadores Aposentados, Pensionistas e Idosos da Central Única dos Trabalhadores (Fenapi-CUT).
A importância da renda dos aposentados para as famílias brasileiras, na opinião dele, é esquecida pelo governo. “Quem se aposentou nos anos 70, 80 tá ganhando um salário mínimo. Dinheiro, a gente não tem condição de guardar. O que a gente faz é empatar o nosso dinheiro: o que a gente recebe, a gente empata [igualar receita e despesa]. Na hora que a gente mais precisa, as doenças vão chegando, e o nosso salário diminuindo”, afirma o aposentado, que interrompeu os serviços extras de “carreto” e de vendas de produtos de limpeza durante a crise. A renda era essencial para pagar as contas da filha e da neta, que vivem com ele, em São Bernardo do Campo (SP).
Aposentados na ativa
Em 2019, uma pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil) revelou que pelo menos 21% da população que se aposentou continua ativa no mercado de trabalho. Segundo o levantamento, 47% dos aposentados estão em atividade porque o valor do benefício do INSS não é suficiente para pagar o sustento de suas casas.
O ex-pedreiro Francisco Leite Duarte vem de um família de oito irmãos. Todos eles começaram a trabalhar ainda crianças nas roças do sertão nordestino, por subsistência. Hoje com 72 anos, Francisco se aposentou em 2008, mas, somente em 2014, encerrou a vida de trabalho efetivamente — a pedido da Universidade de São Paulo (USP), trabalhou por mais seis anos. Desse total, 30 anos foram como funcionário da instituição.
Hoje, isolado e sem poder mais fazer as caminhadas pelo Jabaquara, na Zona Sul da capital paulista, ele teme pela vida e renda da população idosa. “É um negócio desagradável, porque a gente trabalhou tanto, lutou tanto. Você vê a diferença do governo do Lula e da Dilma, a gente tinha aumento acima da inflação. Agora ele (Bolsonaro) deu 4% de aumento ao salário mínimo. Isso não deu 60 reais. Para o que é que dá isso? Um governo desse aí veio para acabar com o povo”, avalia.
Edição: Camila Maciel