Formado por atletas, ex-atletas, jornalistas esportivos, comentaristas e árbitros, o grupo Esporte pela Democracia lançou um manifesto em defesa dos direitos humanos, da liberdade de imprensa e da diversidade. Segundo os organizadores, o manifesto tem o objetivo de mostrar um posicionamento diante da pandemia da covid-19, do desrespeito à Constituição e da banalização das vidas pretas. Entre os integrantes, estão a nadadora Joanna Maranhão, o jogador de futebol Juninho Pernambucano, a pentatleta e medalhista olímpica Yane Marques, o comentarista Walter Casagrande, o tenista Gustavo Kuerten, os jornalistas José Trajano, Juca Kfouri e Lucio de Castro, entre vários outros.
O documento ressalta a obrigação do esporte em se posicionar contra a marginalização da população preta, indígena e periférica, que tem sofrido os efeitos da crise sanitária, social e econômica. Além disso, a nota reconhece o papel importante dos atletas pretos do país para a história do esporte e para o reconhecimento do Brasil como referência em diversas modalidades.
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Apesar de não mencionar diretamente o presidente, o manifesto critica o ataque às instituições democráticas e o “desrespeito às recomendações sanitárias básicas por parte de quem deveria dar o exemplo à população”.
“A tentativa contínua de destruição da democracia se mostra de forma clara e direta por inúmeras medidas autoritárias. Testemunhamos diariamente desrespeito à Constituição, autoritarismo, uso desvirtuado da política em benefício de poucos, ataques às instituições democráticas, ameaças ditatoriais, cerceamento da liberdade de imprensa, destruição das políticas de proteção ao meio ambiente, desrespeito aos povos indígenas e à história dos povos originários, ataque às minorias políticas e sociais. Há ainda amplo desprezo por educação, cultura, ciência, pilares considerados parâmetros de dignidade em todo o mundo”, afirma o documento.
A movimentação dos atletas teve início depois da morte de George Floyd, nos Estados Unidos; e do menino João Pedro, de 14 anos, assassinado dentro da própria casa pela polícia no Rio de Janeiro. As mortes desencadearam manifestações antirracistas no mundo e no Brasil nas ultimas semanas.
Em sua conta no Instagram, Joanna Maranhão comentou o movimento. “Não existe esporte sem luta pela democracia. Não existe democracia em uma sociedade racista. Ainda que o sistema esportivo se retroalimente do silêncio e conivência dos atletas, a gente tá aqui pra falar”, reforçou.
Leia o manifesto na íntegra:
“Nós, atletas, ex-atletas e profissionais ligados ao esporte, cidadãos brasileiros antes de tudo, afinados com o pensamento de diversas categorias e nos juntando às vozes que pactuam com a democracia, os direitos humanos e civis, respeito à vida e à diversidade, estamos aqui unidos em nome daquilo que sempre acreditamos e praticamos em nossas profissões e deve se estender sem restrições ao exercício cotidiano: o direito supremo à vida, a uma sociedade justa e igualitária, ANTIRRACISTA, o respeito das individualidades e o valor do coletivo em nome do bem-estar e da dignidade para todos.
A tentativa contínua de destruição da democracia se mostra de forma clara e direta por inúmeras medidas autoritárias. Testemunhamos diariamente desrespeito à constituição, autoritarismo, uso desvirtuado da política em benefício de poucos, ataque às instituições democráticas, ameaças ditatoriais, cerceamento da liberdade de imprensa, destruição das políticas de proteção ao meio ambiente, desrespeito aos povos indígenas e à história dos povos originários, ataque às minorias políticas e sociais. Há ainda amplo desprezo por educação, cultura, ciência, pilares considerados parâmetros de dignidade em todo o mundo.
Somando-se a esse cenário e à postura inaceitáveis, em um contexto de pandemia, a maioria da população brasileira está largada à própria sorte, especialmente a parte mais vulnerável social e economicamente, em total desrespeito às recomendações sanitárias básicas por parte de quem deveria dar o exemplo à população.
Enquanto tudo isso acontece, o número de mortos pelo vírus aumenta diariamente e o sistema de saúde colapsa, seguimos testemunhando o fruto da violência cotidiana que sistematicamente atinge as populações negras, periféricas, pobres, alvos preferenciais dos sistemas de poder. A banalização da vida negra soma historicamente milhares e milhares de mortos por violência, discriminação, práticas racistas diárias bem diante dos nossos olhos.
Como atletas e ex-atletas, aprendemos a importância de nos posicionarmos contra arbitrariedades e injustiças, não tolerando comportamentos que desrespeitam o bem-estar coletivo e advogam em nome de uma visão do mundo limitada e revoltante. Aprendemos o respeito absoluto pelo outro, que apenas na solidariedade existe jogo. Na história de nosso país, muitos ídolos nacionais vieram exatamente do esporte e seguem sendo referências de postura diante da vida e da humanidade. Muitos são negros, oriundos de periferias e comunidades, lugares para os quais o esporte muitas vezes representa esperança de futuro, meio de existência e de alcance de condições básicas de dignidade.
Pelo nosso repúdio integral ao racismo, à violência, e nosso desejo de voltar a crer num futuro possível e igualitário, hoje nos colocamos diante de questões políticas importantes. Como representar um país em que práticas autoritárias se tornam cotidianas? Em que a diversidade cultural, uma de nossas maiores riquezas, é frontalmente atacada? Como nos comportar diante do que temos vivido nos últimos tempos, da triste imagem nacional passada para o mundo?
Queremos voltar a nos sentir orgulhosos de nosso país, representando em Copas do Mundo, Olimpíadas e outras competições internacionais o legado de nossa cultura, nossa história, nosso povo. Queremos ver o Brasil voltar a crescer, com jovens tendo acesso a educação, trabalho, moradia, vivendo numa sociedade consciente e justa. Por isso, não podemos nos silenciar diante daquilo que testemunhamos. Precisamos colocar aqui a nossa voz e a nossa indignação, como cidadãos, convocando o legado de honestidade e bravura do esporte em nome do país que queremos e merecemos como Nação: um Brasil justo, igualitário, progressista e, acima de tudo, pactuado com a democracia e o respeito absoluto por TODAS as vidas.
O sonho de todo atleta é representar o seu país. Estamos então aqui hoje para reconvocar a lucidez, diante da questão inadiável: que Brasil é esse que queremos trazer na camisa e chamar de nosso?”
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga e Raquel Júnia