Mesmo depois do Twitter, Facebook e Instagram apagarem as publicações do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por entendem que os conteúdos causavam “desinformação” e provocavam “danos reais às pessoas”, o presidente segue propagando notícias falsas sobre a pandemia do coronavírus em pronunciamentos, nas ruas e nas redes.
De acordo com Leandro Tessler, do Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais (EDReS) da Universidade Estadual de Campinas, a difusão de conteúdos falsos que tem origem nos perfis de Bolsonaro e de seus aliados conta com uma rede de boots – usuários robôs –, que atuam espalhando massivamente a publicação.
O grupo interdisciplinar com pesquisadores de diversas áreas criou uma hotline – espécie de canal de denúncias – no WhatsApp para mapear e combater as fake news sobre o novo coronavírus nas redes sociais. Desde o início de março, já foram reunidos mais de 8 mil contatos e 30 mil denúncias, que estão sendo classificadas por inteligência artificial e depois serão estudadas para identificar as motivações dos compartilhamentos e ainda suas fontes nas redes sociais, Instagram, Twitter, YouTube e Facebook.
Mesmo antes da análise final dos dados, Tessler destaca que é possível observar vínculo direto entre desinformações de cunho político e os discursos do presidente. “Mais recentemente, o que eu tenho visto é que vinham circulando na semana passada muita coisa de vírus chinês. Dizendo que isso é um plano deliberado chinês para abaixar os mercados do mundo, comprar empresas a preços baixo e dominar o mundo. Parece desenho animado”, conta ele.
A fake news citada por Tessler iniciou na conta de um dos filhos do presidente Jair Bolsonaro, deputado federal Eduardo Bolsonaro (sem partido-SP). Um dia após a postagem, feita no dia 18, a reportagem da Agência Pública chegou a identificar 94 mil tuítes e retuítes – uma média de 3 por segundo – de perfis automatizados no Twitter com a hashtag #VirusChines.
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Ataque virtual ao embaixador
Um levantamento feito pelo Brasil de Fato, entre os dias 27 e 31 de março, apontou a circulação da fake news de que o embaixador da China teria sido descoberto pelo serviço de inteligência. A informação tem circulado em grupos de Whatsapp, mas também rodou no Twitter, no dia 30 de março, por usuários robôs. Um total de 139 tweets, 66 retweets e outras interações.
“Essa tem menos consequência prática, essa vai ter uma consequência social de racismo e xenofobia. Agora com o coronavírus têm algumas notícias falsas que são muito perigosas pra gente. Isso coloca as pessoas em risco de vida. Quando o presidente manda as pessoas saírem de casa, porque está tudo normal desde que elas tenham mais de 60 anos, isso coloca as pessoas em risco de vida”, comenta Tessler.
“Gente ! O primo do porteiro aqui do prédio morreu pq foi trocar o pneu do caminhão e o pneu estourou no rosto dele. Receberam o atestado de óbito como se fosse o covid 19. Eles estão indignados”. Esta foi outra fake news divulgada por boots esta semana.
O governo de Pernambuco chegou a soltar nota explicando a realidade dos fatos, no dia 23 de março, de que o homem de 57 anos estava com suspeita de coronavírus, mas que após exame foi confirmado que a causa do óbito foi o vírus influenza. O número não foi contabilizado na epidemia e o restante da história foi inventada para acompanhar o documento falso.
No dia 30, Jair Bolsonaro chegou comentar a desinformação durante entrevista por telefone ao programa Alerta Nacional, da emissora RedeTV! Quem citou primeiro a história do borracheiro foi o apresentador Sikêra Júnior, na sequência o presidente confirmou e aproveitou para acusar governadores de inflar o número de mortes por coronavírus nos estados.
Após a fala de Bolsonaro, o levantamento do Brasil de Fato registrou 3.062 retweets e 33.320 interações em posts de robôs com a história falsa do borracheiro, só nos últimos três dias.
A falsa cura
Entre as graves consequências de notícias falsas, o cientista cita outra indicação do presidente que tem circulado nas redes que é o uso de hidroxicloroquina ou cloroquina no tratamento contra a covid-19, medicamento que não tem eficácia comprovada.
As postagens excluídas pelas redes sociais mostram justamente Bolsonaro circulando nos comércios de Taguatinga e Sobradinho, interagindo com a população local e recomendando que se utilize o remédio.
“Não tem absolutamente nada que sustente o tratamento com a cloroquina, não existe nenhuma evidência de que ela trata pessoas infectadas pelo coronavírus. Funcionar em vitro funcional a partir de uma certa dose qualquer coisa mata qualquer coisa, não é dose que o nosso corpo possa tolerar. Os ensaios clínicos que a gente tem até agora são ou de muito má qualidade, que é aquele ensaio francês que o próprio Bolsonaro gosta de citar”, explica Tessler, que, como cientista, também acompanha o caso e afirma que há interesses por parte do governo, porque o Brasil entrou nos protocolos de interesse internacionais para a produção do medicamento.
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Nesse sentido, outro filho do presidente, o senador pelo Rio de janeiro Flávio Bolsonaro (sem partido), também espalhou uma fake news com uma foto de paciente internado que teria sido supostamente curado pelo medicamento. A informação foi desmentida pela família que aparece na foto. Tratava-se de uma internação antiga, e ninguém da família havia contraído o coronavírus.
A pesquisa de desinformações em torno da covid-19 levantou que outros vídeos e depoimentos de pessoas supostamente curadas pelo medicamento e supostos intelectuais afirmando a comprovação do medicamento para tratar coronavírus continuam circulando nas redes.
A análise do EDReS permite aferir que as motivações para a propagação desse tipo de fake news variam desde bolsonaristas que querem que o que o “Bolsonaro falou seja verdade”, define o professor, ao apelo emocional das mensagens. “As pessoas querem muito que tenha cura e acabam caindo nisso”, esclarece Tessler, que alerta que as informações disseminadas por robôs têm efeito psicológico nas pessoas.
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A falácia do isolamento vertical
Vídeos de depoimentos de trabalhadores e empresários que supostamente denunciam os problemas causados pelo isolamento horizontal, como de caminhoneiros, empresários, ambulantes, também saltam nas redes do presidente e seus filhos, assim como nas páginas da população em geral.
Nos vídeos que publicou, Bolsonaro tentava diálogo com comerciantes informais / Reprodução/Twitter
Um exemplo, é o próprio depoimento no vídeo bloqueado, em que o ambulante que conversa com Bolsonaro nas ruas de Brasília. “A gente tem que trabalhar, a morte está aí mas seja o que Deus quiser”, afirma o trabalhador ao presidente que concorda.
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Os conteúdos respondem a pronunciamentos de Bolsonaro em rede nacional, pedindo o fim da quarentena e contrariando as recomendações de autoridades científicas e sanitárias nacionais e internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Numa aparente mudança de postura, em seu último pronunciamento, na terça (31), o presidente ainda distorceu o discurso do do presidente da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom. A tentativa de Bolsonaro era mostrar que o pronunciamento do líder da OMS estava de acordo com suas ideias de não realizar isolamento social.
“As pessoas saem nas ruas, vêem tudo normal, inicialmente não sentem os sintomas. Daí vem o presidente dizendo que elas tem que voltar ao trabalho, que precisamos ganhar, que é só fazer o isolamento vertical em lugar de fazer os recursos das pessoas chegarem, que me parece a melhor solução essa que foi aprovada no Congresso, e atrasar a implementação dessa solução como uma maneira saiam de casa, porque as pessoas saiam de casa. É pura desinformação”, analisa Tessler.
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Denuncie fake news
Para repassar informações falsas para o Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais (EDReS) da Unicamp sobre o coronavírus basta enviar uma mensagem via WhastApp para o número (19) 99327-8829.
Edição: Rodrigo Chagas