Com fiscalização via satélite, MPF já multou desmatadores da Amazônia em R$ 3,5 bi

Diário Carioca

Desde 2017, o Ministério Público Federal (MPF) está atuando para coibir desmatadores ilegais, que lucram ao destruir a floresta amazônica, a partir de um novo método, em que as fiscalizações in loco foram substituídas pela tecnologia.

A ação intitulada Amazônia Protege está no seu terceiro ano e já aplicou mais de R$ 3,5 bilhões em multas pelos danos causados entre agosto de 2017 e dezembro de 2019. O método consiste no mapeamento remoto de polígonos de 60 hectares ou mais desmatados. O coordenador do projeto, o procurador da República Daniel Azeredo explica que o país é reconhecido nacional e internacionalmente por possuir uma avançada tecnologia de monitoramento das florestas por imagens de satélite.

“A gente consegue ver com procissão hoje qualquer dano ambiental que é cometido, inclusive, danos menores de um, dois hectares, seja de qual for o tamanho a gente consegue enxergar ele pela imagem de satélite. Mas a gente utilizou isso poucas vezes, a gente nunca utilizou isso para punir. Fazendo uma comparação com outras áreas da nossa vida, as multas de trânsito, se a gente passa em um sinal vermelho, a gente é multado unicamente por uma foto de um radar, que funciona muito parecido com um satélite que observa a floresta amazônica.”

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O projeto mapeia, de forma permanente, sete dos nove estados da Amazônia Legal: Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima. Ou seja, ainda que não seja realizada a fiscalização in loco, o desmatador corre o risco de responder a um processo na Justiça Federal e ser obrigado tanto a recuperar a área desmatada quanto a pagar indenização pelo dano cometido.

Fazendo uma comparação com outras áreas da nossa vida, as multas de trânsito, se a gente passa em um sinal vermelho, a gente é multado unicamente por uma foto de um radar, que funciona muito parecido com um satélite que observa a floresta amazônica.

Campeões 

O estado mais afetado pelo desmatamento foi o Mato Grosso, com 95,4 mil hectares de área desmatada; os outros foram Pará, Amazonas e Rondônia. Sendo que o Pará foi o que mais teve desmatamento dentro de terras indígenas, 27 de um total de 41.

Segundo a Procuradoria-Geral da República, além dos mais de R$ 3,5 bilhões em multas, os desmatadores foram condenados a recuperar cerca de 231.456 hectares de floresta degradados. O procurador explica que, atualmente, são monitoradas áreas com 60 hectares ou mais, mas a ideia é analisar também territórios menores.

“A pessoa que vai responder esse processo como réu vai ter a oportunidade de se defender no âmbito da Justiça e, quando vier a condenação, até porque a gente tem uma prova muito forte que é a imagem de satélite, uma prova pericial que dificilmente tem como refutar. A partir da condenação é que você começa a trabalhar um bloqueio do patrimônio das pessoas, que estão envolvidas para que haja um efetivo pagamento e não só o pagamento como a recuperação da área e a retomada da área, tanto que a maioria dessas áreas são terras públicas, que as pessoas invadem e desmatam de maneira ilegal”, argumenta Azeredo.

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Laranjas

Um dos grandes entraves para responsabilizar desmatadores ilegais é chegar aos verdadeiros interessados pela área. O procurador assinala que, para evitar que um “laranja” seja responsabilizado, o MPF cruza dados de todos os cadastros públicos.

“A gente tem adotado duas estratégias: a primeira é que a gente consulta todos os bancos de dados de cadastros públicos que existem hoje. Então, todos os bancos de dados em que a pessoa colocou o nome e registrou aquela área a gente acessa e, automaticamente, essa pessoa vira réu dessas ações. Uma segunda estratégia, e essa é um pouco inovadora, é que a gente pede que haja o bloqueio da área e a responsabilização de qualquer pessoa que venha ali a ocupar a área”, afirma o representante do MPF.

“É muito comum quem desmatou se esconder e vender essa área para um terceiro e ele mesmo aparecer depois e dizer que comprou a área de alguém que desmatou e se apresentar com intuito de boa fé. Pela nossa ações, com a condenação, isso não poderá ocorrer, porque quem vier a ocupar aquela área vai ter que recuperá-la e terá que pagar uma indenização aos mesmos moldes como se tivesse cometido o dano”, assevera.

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Motosserra 

O procurador pontua que desde o início da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido) houve um incremento do desmatamento ilegal no país. Isso pode ser comprovado com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que registrou em 2019 a derrubada de mais de 9.500 quilômetros quadrados e a tendência é que os dados de 2020 sejam ainda maiores. Somente no mês de maio, 1.023 ações civis públicas contra 2.262 réus foram realizadas pelo MPF dentro do Projeto Amazônia Protege.

“Existe claramente no âmbito do Ministério do Meio Ambiente uma desconstrução das políticas públicas, omissões, fragilização da fiscalização do Ibama e isso tem refletido no aumento do desmatamento e em prejuízos muito grandes da imagem dos produtores do país aqui e lá fora, inclusive, muito tem se discutido sobre embargo da produção brasileira por entidades e compradores lá fora. Isso tem sido bastante noticiado e quando a gente levanta o número de propriedades rurais que desmataram no último ano, por exemplo, isso corresponde a menos de 1% das propriedades rurais do país”, diz ele.

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Para Letícia Turra, diretora da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), há um trabalho incessante de desconstrução de todo o aparato institucional, legal, de governança e combate ao desmatamento na Amazônia que o Brasil construiu nos últimos 30 anos, entre normativas, conselhos, instrumentos de monitoramento via satélite, fortalecimento dos órgãos públicos, capacitações.

“Você tem um processo acelerado de destruição disso tudo. Isso já foi amplamente discutido ano passado com o enfraquecimento do ICMBIo, do Ibama, com o fechamento de escritórios, com redução de equipes, com exoneração de funcionários, superintendentes, redução das multas. Nós tínhamos no Brasil o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia, mais conhecido como PPCDAm, que era o plano de combate ao desmatamento na Amazônia, que foi desconstruído, a secretaria que coordenava isso. Então, eu acho que isso tem gerado o crescimento das ações ilegais na Amazônia.”

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Desde a nomeação do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diversas entidades questionaram a sua atuação diante da pasta. Para Turra o discurso de Salles, vazado na reunião ministerial mostra o plano elaborado para o Brasil no setor do meio ambiente.

“Obviamente que um cenário de desconstrução de retrocessos dentro de um cenário de pandemia se soma, porque também, os vários órgãos públicos também estão voltados para isso, você tem situações de isolamento social e, como bem colocou o ministro, você tem uma desatenção da sociedade sobre isso e é hora de ‘passar a boiada’.”

Edição: Rodrigo Chagas


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