Três meses após os primeiros registros do coronavírus em Cuba, o país controla a pandemia com políticas detalhadas e população empenhada em cumprir medidas para frear o avanço do vírus. Até esta sexta-feira (12) foram contabilizados 2.223 casos e 84 mortes. A ilha chegou a ficar mais de dez dias sem registrar nenhum óbito. Entre quarta (10) e sexta-feira (12) houve um caso fatal. Atualmente há 240 pacientes internados e apenas um em estado grave.
Os números são fruto de um cenário que une atenção primária rígida, solidariedade e cooperação dos moradores do país caribenho para o isolamento social. Em Cuba o distanciamento é praticado voluntariamente, o governo não determinou lockdown. Ainda assim, a adesão à quarentena é substancial. Os transportes públicos urbanos e entre cidades estão suspensos. Para os trabalhadores essenciais, o governo destacou ônibus específicos com lotação limitada. As escolas estão fechadas, mas mães e mulheres grávidas foram liberadas do trabalho, sem prejuízo ao salário.
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Eventos com aglomerações estão proibidos. O cuidado é tanto, que o governo já anunciou a suspensão até mesmo do Carnaval de 2021. No momento, um dos grandes desafios e controlar e diminuir as filas para aquisição de produtos, que não são incomuns em Cuba. O poder público anunciou que trabalha na elaboração de um sistema online, que permita aos moradores da ilha ficar em casa para receber esses itens.
Atualmente, entrada e saída do país estão restritas, com exceções somente para voos de carga e humanitários. O fechamento de fronteiras não foi imediato, mas houve pressão da própria população para a medida, uma demonstração do nível de participação social nas decisões do país. A iniciativa popular é regra também em outras soluções para os problemas que a pandemia traz. Virou prática, por exemplo, que costureiras de bairro recebam roupas e tecidos sem uso da comunidade para produzir máscaras. Os itens são distribuídas gratuitamente, algumas vezes até como presentes para amigos, parentes e vizinhos.
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O socialismo propiciou em seu conjunto uma estrutura capaz de enfrentar a pandemia que envolve diversas dimensões da vida.
Nivia Regina da Silva, da Brigada Internacionalista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), afirma que, apesar do severo bloqueio econômico que o país sofre há décadas, o socialismo desenvolvido em Cuba engloba historicamente aspectos que auxiliam no combate à pandemia. “Propiciou em seu conjunto uma estrutura capaz de enfrentar a pandemia que envolve diversas dimensões da vida: no campo da saúde, mas também pesquisa e educação, comunicação, cultura, segurança, organização popular e poder popular.”
Segundo Nivea, o acesso universal à saúde vem acompanhado de cuidados específicos com cada grupo de pacientes.
“O país tem trabalhado de forma severa com o controle e a prevenção, realizando diferentes processos de isolamento. Em síntese podemos dizer três grupos: os que estão em vigilância clinico-epidemiológica, internados nos centros sanitários por sintomas suspeitos; os casos confirmados que entram em diferentes protocolos de tratamento – dependendo da fase epidemiológica entram com alguns medicamentos como Biomodulina, Interferon Alfa 2 B, Itolizumab – e os que estão sob vigilância médica em seus domicílios.”, explica.
A militante do MST também destaca a participação de 29 mil estudantes de medicina para visitar todas as casas diariamente, com maior atenção às populações de risco.
Médico em casa todo dia
Todos dias os moradores recebem visitas de equipes da saúde, que checam as condições de saúde das famílias, perguntam se alguém desenvolveu sintomas e fazem o controle de possíveis novos casos. O governo distribuiu também remédios naturais que podem atuar para melhorar a imunidade.
A atenção primária é o grande foco das ações em saúde e replica uma prática comum na ilha. Em Cuba, todos os bairros tem um médico da família, que atende e conhece as comunidades locais. Esses profissionais agora contam com o reforço de dezenas de milhares de colegas, que percorrem as regiões em busca de qualquer sinal da covid-19.
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Todos os dias, eu recebo em minha casa o médico da família.
A escritora brasileira Viviane Naves vive em Cuba há quase três anos. Segundo ela, as medidas de atenção primária trouxeram um controle assertivo sobre o crescimento de casos no país.
“A quarentena foi sugerida, não foi uma imposição. Mas aqui todo mundo respeita. O que ajudou muito foi a visita dos médicos. Todos os dias, eu recebo em minha casa o médico da família, que cuida do meu bairro e estudantes de medicina. Eles olham como estamos, perguntam como estamos nos sentindo, se temos algum sintoma, não necessariamente só da covid, eles perguntam sobre tudo. Chegam cedinho, pela manhã, e vão embora fazendo essa pesquisa de casa em casa.”
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Quando há alguma suspeita, o paciente é isolado, assim como toda a rede de relacionamentos dele. Todos os dias, o governo transmite informações sobre a situação da pandemia em rede nacional para a população. Entre esses dados, está até mesmo o número de pessoas com as quais cada paciente teve contato.
Pacientes curados também são monitorados, para que se reduzam os riscos de sequelas. Viviane relata que o trabalho de mapeamento feito pelas equipes de saúde pesou muito para o controle da pandemia.
“Eles começaram a mapear. Perto da minha casa, por exemplo, eles descobriram um foco de covid. Todo mundo da família foi isolado no IPK (Instituto de Medicina Tropical Pedro Kourí), o Hospital Militar destinado só para os pacientes com Covid. Mesmo quem não tinha sintoma, falou com alguém dessa família, foi pro isolamento. Não foi em casa, foi no IPK. Eles contiveram muito bem a transmissão do vírus assim. Não interessa se você é diplomata, cubano, estrangeiro. Todo mundo vai ser isolado, assim como quem teve contato.”
Abertura só com garantias de proteção
Nesta quinta-feira (11), autoridades divulgaram para a população um plano de retomada das atividades, mas com uma ressalva: não há data para implementação. Apesar de ter controle dos casos ativos e registrar números baixos de mortes e novas infecções, o governo só vai dar andamento à abertura frente à certeza de que novas ondas de contágio não vão surgir.
Mesmo após essas certezas, o processo será feito em etapas. Na primeira fase serão mantidas as restrições de entrada no país, com autorização apenas para voos de carga e humanitários. O transporte entre cidades só poderá ser feito para demandas prioritárias. Todo tipo de aglomeração será evitado e o uso de máscaras continuará obrigatório.
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Somente em uma segunda etapa, o governo pretende reabrir as fronteiras. Ainda assim, os viajantes não poderão portar mais que uma mala e as bagagens de mão serão proibidas. Na terceira fase, de recuperação, o objetivo será retornar à normalidade de maneira gradual, com desenvolvimento de habilidades de enfrentamento e políticas específicas para riscos e vulnerabilidades em consequência da doença.
O frade dominicano brasileiro Frei Celio de Pádua Garcia, está em Cuba há dois anos e destaca os cuidados preventivos implementados pelo governo. Ele ressalta também que o poder público já divulgou informações de que mesmo após a retomada de atividades, o controle epidemiológico continuará rígido.
“O ministro da Saúde informou que quando abrirem portos e aeroportos, quem for sair de Cuba terá que fazer exames. Quem estiver contaminado terá que fazer tratamento antes de sair. Isso eu vejo como responsabilidade social. É um cuidado com a população.”
As precauções são reafirmadas pelo Consul Geral de Cuba no Brasil, Pedro Monzón. “Não daremos um único passo falso que coloque a população em risco. Isso não exclui o desenvolvimento de atividades econômicas fundamentais, de acordo com um plano cauteloso e inteligente, com o objetivo de garantir, dentro das limitações atuais, o plano da economia e, acima de tudo, a alimentação do povo.”
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Monzón afirma que Cuba possui recursos sistêmicos, organizacionais e populares para atender a saúde da população de maneira eficiente, mesmo frente ao bloqueio econômico, que foi reforçado durante a pandemia.
“Obviamente, para Cuba, o mais importante é a proteção dos seres humanos. Sempre mostramos isso (…) Continuaremos nesse caminho. Seguindo para as novas etapas, mas sem esquecer que pode haver um ressurgimento da pandemia. Enquanto isso, continuamos a desenvolver medicamentos terapêuticos, uma vacina que já está em um ensaio clínico, e mantemos medidas para proteger a população.”
Não daremos um único passo falso que coloque a população em risco.
Com vizinhos que enfrentam situações críticas, os cuidados são justificáveis. A região das Américas tem hoje mais de 3 milhões e 500 mil infectados registrados. Quase metade do total de todo o mundo. O número de mortes no continente ultrapassa 190 mil. No anúncio do planejamento para abertura o governo cubano foi enfático: não tomará decisões precipitadas. Qualquer medida só será tomada a partir da certeza de que há segurança na evolução de casos e garantias de que não haverá novo crescimento de contaminações.
Edição: Rodrigo Chagas