O depoimento de Walter Delgatti Neto repercutiu entre os senadores na CPMI do 8 de Janeiro. Para os governistas, as acusações do hacker envolvem diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro em um plano para fraudar o sistema eleitoral. A oposição, por outro lado, lança dúvidas sobre a credibilidade do depoente.
Para o senador Rogério Carvalho (PT-SE), o depoimento de Delgatti comprova “que houve uma tentativa e foram efetivados vários golpes no Brasil”:
— Estamos diante, não de um fato isolado. Estamos diante de uma prática que não vai cessar, diante de um campo político que não acredita na democracia, que a usa como meio. Tudo o que vimos aqui foi a tentativa de burlar os regramentos democráticos para que o povo pudesse escolher livremente quem iria dirigir o país.
Na opinião do senador Fabiano Contarato, o ex-presidente Jair Bolsonaro deve responder por dois crimes previstos no Código Penal: tentar abolir o Estado democrático brasileiro e tentar depor um governo legitimamente constituído:
— O presidente mantém contato com uma pessoa para fraudar a eleição. Não satisfeito, a recebe no Palácio do Alvorada por duas horas para burlar o sistema eleitoral. Isso é gravíssimo. O presidente é coautor desses crimes. As provas são contundentes. Houve a digital direta do presidente Bolsonaro para esse atentado que aconteceu no dia 8 de janeiro.
O senador Sergio Moro (União-PR), no entanto, desqualificou o depoimento de Walter Delgatti Neto. Segundo o parlamentar, o hacker responde ou respondeu a 46 processos e foi condenado por estelionato contra clientes de um banco.
— Existem problemas de credibilidade da testemunha, que praticou estelionato em série. Qual o cerne do estelionato? A fraude, a falsidade, a mentira contumaz. E aqui chega o depoente contando as suas versões. Vejo colegas tomando a palavra dele como se fosse absoluta, quando a gente está aqui diante de um estelionatário profissional condenado — afirmou.
A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) reforçou a crítica. Para ela, o depoente “não tem credibilidade nenhuma”.
— Por você ter problemas, sua palavra está em dúvida aqui. É a sua palavra contra a palavra de um presidente da República. Vocês se encontraram? Se encontraram. Mas como você vai provar que ele te pediu tudo aquilo? Mais uma vez, quem sai prejudicado dessa grande história é você. Você não tem como provar. É a palavra do Walter contra a de outra pessoa. Você está prejudicado — disse Damares diretamente para Walter Delgatti Neto.
A senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), por outro lado, defendeu a legitimidade do depoimento:
— Se a pessoa cometeu um crime, isso não está sendo objeto de investigação. O que está sendo investigado aqui é a tentativa de golpe de estado. E, para esse desiderato, o senhor (Walter Delgatti Neto) é sim uma testemunha valiosa para nós.
Durante o depoimento, o hacker admitiu ter feito tentativas de invadir o sistema das urnas eletrônicas mantido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Questionado pelo senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), porém, ele disse que jamais conseguiu.
— O senhor está dizendo o que sempre dissemos: o sistema eleitoral brasileiro é confiável. No Brasil de tantos problemas, num período sensível, o presidente da República se vale de sua condição para contratar uma pessoa a fim de tentar mostrar a fragilidade do sistema eleitoral. É de uma gravidade gigantesca — criticou Veneziano, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em silêncio
Walter Delgatti Neto não respondeu aos questionamentos do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). O parlamentar negou que houvesse um plano para fraudar o sistema eleitoral e classificou as declarações do hacker como “completamente desqualificadas e sem nenhuma possibilidade de credito”:
— Não foi para fazer invasão em sistema eleitoral nenhum. Foi na verdade uma sondagem para que ele (Delgatti), junto com aquele grupo das Forças Armadas que estava legalmente junto ao TSE para fazer testes em urnas, pudesse mostrar ao TSE possíveis vulnerabilidade das urnas. Essa narrativa de que ele foi contratado para fraudar as eleições é uma mentira.
Na segunda parte da reunião, Delgatti usou a prerrogativa de manter-se em silêncio, que não havia acionado antes. Ele fez isso quando interrogado pelos parlamentares da oposição, que criticaram o hacker por ter mudado de comportamento. Para o senador Marcos Rogério (PL-RO), a atitude indica uma postura suspeita.
— Os deputados e senadores da base governista simplesmente começavam com uma frase e o senhor já complementava. Estava se sentindo em casa. Agora exerce o seu direito constitucional ao silêncio. O senhor poderia ter exercido esse direito desde o primeiro momento. Veio para cá com habeas corpus embaixo do braço. Para criar narrativas, fala, mas para responder àqueles que querem contraditar os seus argumentos, opta pelo silêncio. Os fatos falam por si. Qual é o medo?
O deputado André Fernandes (PL-CE) exibiu à comissão vídeo contendo trecho de entrevista ao portal Fórum, concedida em 28 de julho de 2022, em que Delgatti declara voto em Luiz Inácio Lula da Silva, então pré-candidato à Presidência. O depoente ainda afirmou na entrevista que faria “o que for preciso” pela vitória de Lula nas eleições.
Fernandes e outros parlamentares oposicionistas que o sucederam enfatizaram que a declaração do voto aconteceu pouco antes de ter se encontrado com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), no início de agosto de 2022.
— Em agosto, tira uma foto [com Zambelli], se apresenta e, de repente, como em um toque de mágica, ele muda. Agora, ele já não é mais o Walter que ajudou o PT lá atrás, que estava dizendo: “Eu faço o que for preciso”. Ele já surge agora sendo o cara que quer ajudar o Bolsonaro. Não é um ano, dois anos depois, é um mês — questionou Fernandes
Outros deputados buscaram estabelecer uma ligação entre Delgatti e o grupo de apoio ao governo do presidente Lula, indicando inclusive que o depoente teria intenções de se candidatar a um cargo político. Delgatti, porém, permaneceu em silêncio até o final da reunião da CPMI
Da Agência Senado