“Em uma sociedade decadente, a arte, se for verdadeira, também deve refletir a decadência”, escreveu o historiador de arte marxista Ernst Fischer, sete décadas atrás. “A arte deve mostrar o mundo como mutável. E ajudar a transformá-lo.”
O futuro do mundo está em jogo. A pandemia do coronavírus aprofundou as desigualdades e os problemas existentes, apresentando desafios imprevistos à infra-estrutura pública em ruínas de muitos países. Esse momento histórico revelou que existem dois paradigmas dominantes, um que favorece a vida e o bem-estar das pessoas, e outro que favorece o capital e a acumulação de riquezas.
A crise do corona revelou em que medida o sistema capitalista, sob a ordem imperialista e neoliberal, irá se preservar e proteger a si próprio, mesmo que isso signifique sacrificar gerações, comunidades e deixar as pessoas sem teto e passando fome. As contradições desse modelo tornaram-se impossíveis de ignorar, e a necessidade da humanidade de entender e mudar essa realidade é ainda mais urgente.
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É nesse contexto que o Instituto Tricontinental de Pesquisa Social e a Semana Internacional da Luta Anti-Imperialista convidaram artistas e militantes de todo o mundo para participarem da primeira “Exposição de Cartazes Anti-Imperialistas”, em busca de novas expressões visuais para as realidades que estamos vivendo. O primeiro ciclo foi sobre o tema “Capitalismo”, e a tarefa era interpretar visualmente o conceito.
Um dos curadores da exposição e designer do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Tings Chak, disse: “Este foi um chamado para que os artistas participem da luta de centenas de movimentos de pessoas em todo o mundo. Convidamos artistas para representarem o sistema capitalista em colapso, mas também para apresentarem possibilidades de um futuro anti-imperialista.”
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A resposta de artistas, movimentos e organizações em todo o mundo foi surpreendente. 77 artistas de 26 países e 21 organizações, predominantemente do Sul Global, enviaram seus trabalhos. Na série, pode-se encontrar cenas não apenas de um sistema capitalista decadente, mas também de um mundo novo que as lutas populares ao redor do mundo estão introduzindo. As imagens em seus diversos estilos e idiomas esclarecem mais do que mistificam os conflitos dos nossos dias.
Alguns dos artistas refletiram sobre seu trabalho e o que os motivou a participarem dessa exposição em solidariedade às lutas anti-imperialistas.
Judy Seidman, uma artista revolucionária da África do Sul e ex-integrante do histórico Medu Art Ensemble, compartilhou suas reflexões sobre o pedido de participação na exposição. Quando o lockdown foi imposto devido à pandemia do COVID-19, Seidman foi obrigada a revisitar suas decisões sobre arte. “Eu acho importante ter esse tipo de chamado para artistas em apoio às lutas das pessoas neste momento específico. Somos confrontados com uma crise global que precisa de uma resposta global. Nós, artistas, não precisamos apenas pensar em nosso próprio trabalho, mas também precisamos encontrar maneiras de repensar como trabalhamos com os outros, como o que imaginamos em nosso trabalho pode falar com as necessidades e lutas das pessoas “, acrescentou Seidman. Seu pôster é intitulado “O capitalismo mata, mas vamos vencê-lo” (Capitalism Kills, but We Shall Rise).
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“O Capitalismo mata, mas vamos vencê-lo”, de Judy Ann Seidman / Judy Ann Seidman/Divulgação
Um artista autodidata da Índia, Ramchandran Viswanath, tem 72 anos e é ex-funcionário de uma fábrica de automóveis. Viswanath diz que é um simpatizante da esquerda desde seus dias no colégio, o que o motivou a enviar dois pôsteres. Um deles é intitulado ‘O tempo está se esgotando para a Terra, do jeito que a conhecemos e vivemos nela até agora’ (Time is running out for Earth as we have known and lived on so far). Ele sugere que o capitalismo é a explicação para o fenômeno.
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O tempo está se esgotando para a Terra, do jeito que a conhecemos e vivemos nela até agora de Ramchandran Viswanath / Ramchandran Viswanathan/Divulgação
Ahmed Mofeed, da Palestina, enviou um pôster com chamas saindo de uma garrafa de Coca Cola. A imagem é inspirada em um artigo de Sherene Seikali, intitulado “O número de calorias e a indústria da limonada em Gaza” (The number of calories and the industry of lemonade in Gaza). Neste texto, ela fala sobre como o alimento é racionado e fornecido com base em calorias por pessoa. Mofeed acrescenta que a garrafa em chamas é para “expressar a resistência que não pode ser calculada em calorias”.
Legenda: “Coca-Cola Zero” de Ahmed Mofeed / Ahmed Mofeed/Divulgação
Existem inúmeros outros pôsteres que nos fazem refletir. Esses pôsteres, um de cada vez, envolvem o espectador em um processo dialético, e contextualizam as realidades que cercam o espectador em seu mundo material.
Artistas que estão ao lado das pessoas e movimentos que lutam são o que Gramsci chamou de “novos intelectuais”. O dossiê do Instituto Tricontinental resume o papel desses “novos intelectuais”. “Eles desempenham um papel de ‘constante persuasão’, dedicados a trabalharem para aliviar as dores do povo, elaborar uma consciência popular, expulsar a sufocante estreiteza do pensamento e criar cada vez mais espaço para as lutas populares se sustentarem e vencerem.”
A abertura de “Capitalismo” acontece no dia 11 de junho e será seguida por mais três ciclos da Exposição de Cartazes Anti-Imperialistas, com os temas Neoliberalismo, Guerra Híbrida e Imperialismo.
Edição: Peoples Dispatch