Fundo controlado por príncipe “amigo” de Bolsonaro cresce com crise no Brasil

Diário Carioca
               O presidente Jair Bolsonaro (PL) aproveitou sua segunda viagem oficial pelos Emirados Árabes Unidos, em novembro do ano passado, para se reunir com o príncipe herdeiro de Abu Dhabi, o sheik Mohammed bin Zayed.
Embora Zayed não seja oficialmente um chefe de Estado, Bolsonaro o encontrou como se assim o fosse. Levou ministros em sua comitiva. Entre eles, Paulo Guedes, da Economia.
A reunião cheia de formalidades, no entanto, teve um clima amistoso, segundo o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, que estava presente. Pelo Twitter, Eduardo disse que Bolsonaro e o sheik “mais pareciam bons amigos se revendo” enquanto conversavam sentados em frente a bandeiras.
  ?? Presidente @jairbolsonaro encontra com o Princípe Herdeiro de Abu Dhabi, Sheik Mohammed bin Zayed, mas mais pareciam bons amigos se revendo.
E essa relação amistosa se converte em investimentos emiráticos no Brasil, como o fundo Mubadala que…


(Continua?) pic.twitter.com/OWgqNHesj2
— Eduardo Bolsonaro?? (@BolsonaroSP) November 15, 2021 Ainda segundo Eduardo, a “relação amistosa” entre o presidente e o príncipe era positiva para o Brasil, pois se convertia em investimentos árabes no país. O deputado citou o fundo Mubadala, que tem sede nos Emirados Árabes e do qual o sheik Zayed é o presidente.

O Mubadala é o fundo soberano de Abu Dhabi. Esse tipo de fundo reúne reservas de capital de um país, por exemplo, e usa esses recursos em investimentos para que essas reservas cresçam para benefício do próprio país-proprietário.
O Mubadala tem cerca de 243 bilhões de dólares (mais de R$ 1,1 trilhão) investidos em mais de 50 países. Recentemente, aproveitando-se da boa relação com Bolsonaro e da crise que afeta empresas nacionais, ele aumentou seus aportes no Brasil comprando ativos a preços baixos e crescendo enquanto a economia brasileira patina.
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Crise gera oportunidade
Ainda em novembro, dias antes do encontro entre Bolsonaro e o sheik Zayed, Mubadala anunciou a aquisição do controle da concessionária Metrô Rio, responsável pela operação do metrô da cidade. A Metrô Rio pertencia à Invepar, fundo de investimentos de capital brasileiro, que entrou em crise e tinha uma dívida de R$ 1,8 bilhão com o Mubadala.
O fundo trocou a dívida por 51% das ações da Metrô Rio. Aproveitou-se do “contexto complexo” da empresa – nas palavras de Oscar Fahlgren, presidente do Mubadala no Brasil – para adquirir a Metrô Rio, que tem “uma boa perspectiva de recuperação operacional e rentabilidade no longo prazo”, na avaliação do executivo.
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Antes disso, em 2019, o fundo Mubadala já havia comprado da Odebrecht, que entrou com pedido de recuperacao judicial após a operação Lava Jato, parte do controle da Rota dos Bandeirantes, rodovia pedagiada em São Paulo. Já em 2014, aproveitando-se da derrocada do grupo EBX, do empresário Eike Batista, assumiu o comando do Porto Sudeste, em Itaguaí (RJ).
Ainda da Odebrecht, especula-se que o Mubadala queira comprar parte da Braskem, empresa petroquímica. A Petrobras é uma das sócias da empresa.
Refinaria estatal
A aquisição mais relevante do Mubadala no Brasil, no entanto, foi a da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, concluída também em novembro de 2021. A Rlam foi a primeira refinaria nacional, criada em 1950, e pertencia à Petrobras. É capaz de produzir mais de 30 produtos diferentes, incluindo gasolina, diesel e lubrificantes.
A Petrobras vendeu a Rlam por 1,65 bilhão de dólares (quase R$ 8 bilhões) para reduzir suas dívidas e sair da crise que acometeu a empresa também durante a Lava Jato.
Segundo avaliações do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), no entanto, a Rlam valia pelo menos 3,12 bilhões de dólares, ou seja, quase o dobro do seu valor de venda. O Ineep elaborou três cenários para estabelecer o valor de mercado da refinaria. Em um deles, chegou a apontar que ela poderia ser vendida a 3,92 bilhões de dólares.
Após comprar a Rlam, o Mubadala mudou o nome da planta para Refinaria de Mataripe; criou uma empresa para gerir o local, a Acelen; passou a praticar reajustes sucessivos no preço dos combustíveis produzidos ali; e fez com que a Bahia passasse a ter um das gasolinas mais caras do país, segundo a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
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Risco para a economia
Para economistas ouvidos pelo Brasil de Fato, o aumento dos preços da gasolina na Bahia indicam que o investimento do Mubadala no Brasil não é necessariamente positivo. Eles concordam que a chegada de capital internacional para o país, em tese, é boa. Contudo, se não for acompanhada de um processo de desenvolvimento, pode colocar setores estratégicos brasileiros sob interesses de outros países.
“Uma refinaria de uma empresa estatal deve gerar lucro, mas também garantir o abastecimento do mercado interno de combustíveis. Se essa refinaria agora pertence a um fundo estrangeiro, essa preocupação com o mercado interno acaba. Só interessa o lucro”, considera William Nozaki, professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp).
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A economista Iriana Cadó, especialista em desenvolvimento econômico, ratifica que fundos estrangeiros nem sempre estão interessados no desenvolvimento de países em que eles atuam. Ressaltou ainda que a atuação deles em setores estratégicos representa risco à soberania.
“Uma vez que temos investimentos internacionais comprando direitos de empresas que fornecem serviços básicos, como petróleo, gás, transporte, eles ditam como isso deve ser produzido”, afirmou. “Isso coloca em risco a soberania nacional”, destacou.
Cadó ressaltou ainda que empresas nacionais lucram no Brasil e reinvestem seu lucro no país para lucrar mais. Um fundo estrangeiro tem como objetivo usar seu lucro no país para benefício dos donos do fundo, que ficam fora daqui. No caso do Mubadala, inclusive, eles ficam nos Emirados Árabes.
“Os lucros são escoados para fora do país, onde estão os verdadeiros ‘herdeiros’ deles”, afirmou. “Não retornam para a sociedade brasileira”, complementou.
O economista Pedro Mattos explicou que países como a China se desenvolveram a partir de investimentos estrangeiros. Por isso, eles não são sempre ruins. O problema, segundo ele, é que o Brasil hoje não tem projeto claro para seu próprio desenvolvimento. Isso faz com que esses fundos assumam poder demais na nossa economia.
“Em geral, a superação da dependência [econômica de um país] pressupõe em certa medida a entrada de capital estrangeiro, como a própria China demonstra. Agora, nossa dependência aumenta por conta do atual contexto político, em que há um aprofundamento da agenda neoliberal em combinação com o fortalecimento do neofascismo”, avaliou.
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Mubadala em silêncio
O Brasil de Fato procurou o Mubadala na sexta-feira (18) para tratar dos negócios do fundo no Brasil. Até o momento, ele não se pronunciou.
A Acelen, empresa do Mubadala que controla a antiga Rlam, já informou por várias vezes que vende combustíveis com preços baseados no custo do petróleo, do dólar e de condições contratuais firmadas com clientes.
O Mubadala, geralmente, não se pronuncia sobre oportunidades de negócios que ele ainda avalia. É fato, porém, que ele segue em busca de investimentos no Brasil e tem portas abertas no governo Bolsonaro.
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Neste mês, representantes do Mubadala estiveram na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) para conversar sobre projetos, principalmente na área ferroviária. Na ANTT, o diretor de operações e relações institucionais da Mubadala Capital (braço do Mubadala), Ricardo Paes, elogiou os modelos de concessões do governo Bolsonaro.
Paulo Guedes, por sua vez, disse que os Emirados Árabes são os "parceiros ideais" do Brasil quando esteve no país acompanhando o presidente, no ano passado. Guedes já se reuniu com Fahlgren, do Mubadala, pelo menos três vezes como ministro da Economia.
O Brasil de Fato perguntou ao Mubadala se a relação do fundo com membros do governo facilita ou aumenta seu interesse sobre negócios no país. O fundo também não respondeu.
            Edição: Rodrigo Durão Coelho


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