A orientação do Ministério da Saúde (MS) para uso da cloroquina e da hidroxicloroquina nos tratamentos da covid-19 em crianças e gestantes pegou de surpresa a comunidade médica. Sem estudos que comprovem a eficácia do medicamento, o governo divulgou nesta segunda-feira (15) a indicação de que ele seja ministrado para o tratamento precoce nesses pacientes. A Organização Mundial da Saúde não recomenda que as substâncias sejam usadas para pacientes infectados pelo coronavírus, a não ser em testes controlados.
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A recomendação do Ministério ocorre pouco mais de duas semanas após uma nota de alerta divulgada pela Sociedade Brasileira de Pediatria. Segundo o texto, “não há dados que amparem a segurança e a eficácia do uso da cloroquina ou da hidroxicloroquina em crianças.” O documento alerta também que o uso destas drogas para o tratamento da covid-19 é baseado um número pequeno de relatos que não permitiram resultados conclusivos, “alguns deles interrompidos devido ao aumento da mortalidade em decorrência do uso de altas doses.”
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O pediatra e Infectologista Renato Kfouri, vice-presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade de Pediatria de São Paulo, ressalta que a cloroquina e a hidroxicloroquina nunca se mostraram eficazes para tratamento da covid em nenhuma idade. Ele alerta também que não há estudos entre crianças e gestantes.
“Não há evidência nenhuma de benefício da cloroquina, ainda mais em pediatria. Muitos menos em gestantes que ninguém estudou. Você tem uma droga hoje sem evidência científica de benefício, há muitos estudos mostrando risco. Só há um cenário previsto de uso da cloroquina, que é dentro de estudos controlados. Uso terapêutico consagrado não existe para nenhuma idade. Se não existe comprovação em pacientes adultos, muito menos em crianças e em gestantes.”
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Renato Kfouri diz que os profissionais da saúde recebem com reservas a orientação do Ministério. Segundo ele os riscos que a cloroquina traz para adultos, como adversidades cardíacas, também podem atingir crianças.
Não há evidência nenhuma de benefício da cloroquina, ainda mais em pediatria.
Falta de foco no que funciona
No mesmo dia em que o Ministério da Saúde decidiu divulgar os critérios para uso das substâncias em crianças e grávidas, a Food and Drug Administration (FDA) dos Estados Unidos revogou a permissão para o tratamento com os remédios. Segundo o órgão, que atua na regulamentação de medicamentos no país norte-americano, “não é mais razoável acreditar que as formulações orais de hidroxicloroquina e de cloroquina possam ser eficazes”
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A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, disse que a decisão da FDA se baseia em pesquisas de “péssima qualidade metodológica”, mas não citou nenhum estudo especificamente. Ela também não mencionou trabalhos que comprovem a eficácia da substância.
Na verdade, a pior metodologia que a gente observa está nos estudos lá do começo, que demostraram algum benefício da cloroquina.
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Miguel Meyer, médico de família e comunidade, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, afirma que a nova posição do Ministério não tem nenhuma justificativa ou evidência científica. Ele ressalta que há estudos sobre outros medicamentos e práticas – como o isolamento social – que efetivamente vêm mostrando alguma eficácia.
“A secretaria Mayara Pinheiro, justificando a posição do Ministério, diz que isso se dá por conta da possibilidade de quadros graves em grávidas e crianças. Mas estender essa recomendação para esses casos, na verdade é colocar mais em risco esses grupos, para um governo que se diz defensor da vida. Quando ela comenta sobre a decisão do FDA e diz que a decisão deles é embasada em estudos com metodologia ruim. Na verdade a pior metodologia que a gente observa está nos estudos lá do começo, que demostraram algum benefício [da cloroquina] e que não foram repetidos em outros estudos e depois tiveram sua metodologia bastante criticada.”
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“Em relação à hidroxicloroquina e à cloroquina, o que a gente tem é uma ausência de evidência de benefício e temos alguns estudos demonstrando aumento da ocorrência de efeitos adversos, principalmente no sistema cardiovascular, de precipitar condições para uma arritmia letal.”
Edição: Rodrigo Chagas