Uma rede de páginas e perfis com informações falsas sobre a Amazônia foi derrubada pelo Facebook. A descoberta foi publicada na última semana em um relatório da empresa Meta, que controla a plataforma, e confirmada pela Graphika, companhia que faz análises das redes sociais.
Segundo o relatório, a estratégia de desinformação era coordenada por dois oficiais ativos do Exército, que não tiveram os nomes divulgados. O vínculo com as Forças Armadas foi confirmado após o cruzamento de informações dos perfis com dados públicos. Os servidores se passavam por ONGs fictícias e ativistas ambientais.
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O grupo divulgava estatísticas e notícias incorretas sobre o desmatamento, retratando o governo brasileiro e os militares de forma positiva. Entre as entidades ambientais do mundo real, é consenso que Jair Bolsonaro (PL) conduz o maior retrocesso ambiental da história do país.
Foram deletados 14 perfis falsos, nove páginas, além de 39 contas no Instagram e outras no Twitter. Ao todo, as contas tinham 25 mil seguidores.
Militares institucionalizaram produção de fake news, diz pesquisador
“Nós não deveríamos ficar surpresos porque a tática de contrainformação faz parte dos manuais militares. Isso existe desde sempre”, afirma Jonas Valente, mestre em Comunicação e doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília, onde estudou a regulação da internet.
Para o acadêmico, a revelação indica que os militares transformaram a produção de fake news em uma estratégia institucional.
“O que a gente está vendo agora é a construção de uma síntese entre uma tradição da contrainformação e desinformação militar por um lado, e os métodos que já vinham sendo empregados de construir perfis falsos do bolsonarismo por outro lado”, avalia.
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As mensagens propagadas estavam em sintonia com o discurso de Bolsonaro. O presidente é um ferrenho crítico das ONGs que denunciam o governo por estimular crimes ambientais.
O avatar utilizado para difamar as entidades ambientais se chamava “O fiscal das ONGs”. O nome é parecido com uma página verdadeira, "Fiscal do Ibama", perfil colaborativo com mais de 140 mil seguidores que denuncia, com informações verídicas, o desmonte da política ambiental.
Desinformação expõe indígenas a risco, diz Observatório do Clima
O Observatório do Clima, que reúne 70 entidades socioambientais com atuação no Brasil, aponta que a desinformação coloca em risco quem está na floresta lutando contra a devastação.
“Quem faz hoje o trabalho da preservação do meio ambiente e denuncia os crimes ambientais está extremamente exposto. E ficam ainda mais quando pessoas como esses militares ficam veiculando mentiras e difamando ONGs que fazem o seu trabalho”, critica o secretário executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini.
“Os prejudicados não são apenas ONGs, são principalmente populações indígenas, pessoas que vivem na floresta e que fazem da sua vida a proteção ambiental e do patrimônio natural do nosso país”, complementa.
Desmatamento alto compromete imagem dos militares
No governo Bolsonaro (PL), o Exército ganhou protagonismo inédito na política de combate ao desmatamento na Floresta Amazônica. A coordenação está centralizada no Conselho Nacional da Amazônia Legal (CNAL), criado e abandonado na década de 90, mas reativado por Bolsonaro.
Dirigido pelo vice-presidente, general Hamilton Mourão, o Conselho é composto exclusivamente por militares, sem representantes de órgãos de monitoramento ou da sociedade civil.
Enquanto isso, órgãos ambientais federais especializados passaram por um processo de sabotagem, com cada vez menos orçamento e normas internas que dificultam ações de fiscalização e monitoramento.
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Os dados de desmatamento na Amazônia, que vêm batendo recordes, demonstram que essa estratégia fracassou, mas o governo vem persistindo no erro.
Na avaliação do Observatório do Clima, a rede de desinformação pode ter sido uma tentativa de melhorar a imagem dos militares, desgastada pelo fracasso no combate ao desmatamento.
“Isso é um espelho do que a gente vive no governo hoje. O presidente já disse que o desmatamento e as queimadas eram culpa dos indígenas e dos caboclos. Então o exemplo vem de cima”, pontua Marcio Astrini.
O Observatório do Clima classifica o episódio como um “crime grave” e pede punição aos envolvidos. O secretário executivo da entidade lembra que os militares já tiveram papel decisivo no combate a crimes ambientais, quando suas ações estavam em sintonia com o planejamento de órgãos ambientais especializados.
“As Forças Armadas, que foram extremamente importantes, deixaram de ser porque a ordem do governo não é para acabar com o desmatamento. Mas o Brasil, quando, de 2004 a 2012, diminuiu o desmatamento da Amazônia em mais de 80%, só fez isso com a ajuda do Exército”, ressalta Astrini.
Militares controlavam página com críticas a ONGs ambientais / Reprodução/Graphika
Regulação das big techs
Jonas Valente considera que transgressões como essa podem ser combatidas com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2630/2020, que enfrenta oposição das big techs por as obrigarem a cooperar com autoridades nacionais na identificação de notícias falsas.
“O Facebook ter removido esses perfis, na verdade, é uma exceção à regra, pois ele mesmo propagou desinformação recentemente, quando pagou anúncios e inclusive mentiu dizendo que o PL 2630 acabaria com pequenos negócios e tiraria o Facebook do Brasil”, afirma o pesquisador.
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O PL, que entrou em debate na Câmara na semana passada, prevê medidas de combate a conteúdos falsos em redes sociais e serviços de mensagens privadas. Exige também que as empresas tenham representação jurídica em território brasileiro e impõe mais transparência em casos de moderação e suspensão de conteúdos nas plataformas.
“Precisamos urgentemente de uma regulação de plataformas que trate do combate à desinformação, mas que vá além disso e garanta transparência. Quando vemos os riscos e os danos causados pelas fake news e o poder que as plataformas possuem, nós já temos uma solução sendo pensada, que precisa ser aprovada na Câmara”, aponta Valente.
Outro Lado
O Brasil de Fato pediu resposta às assessorias de imprensa do Ministério da Defesa e do Exército, mas as solicitações não foram respondidas. Se houver retorno, o texto será atualizado.
Edição: Vivian Virissimo