Durante a sessão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quarta-feira (17), em que o plenário formou um placar de oito votos a zero pela continuidade do chamado “inquérito das fake news”, o tom do discurso dos ministros foi marcado pela diferenciação entre o direito à liberdade de expressão e a disseminação de conteúdos falsos, antidemocráticos ou de ideias que promovem a cultura do ódio no país.
Durante a sessão, os ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes concordaram com as apurações da Corte e afirmaram que elas estariam dentro das normas legais e constitucionais. O entendimento também havia sido manifestado na última quarta (10) por Edson Fachin, relator da ação em questão, ajuizada pela Rede Sustentabilidade, que coloca em xeque a legitimidade do Supremo para conduzir o inquérito. As investigações tratam de ataques e ameaças ao STF, além da difusão de fake news na internet. O julgamento terá sequência nesta quinta (18), quando os outros três ministros deverão votar.
Em uma manifestação contundente, Moraes, relator do inquérito e primeiro a se pronunciar nesta quarta, mencionou algumas das ameaças já feitas aos magistrados da Corte. “Que estuprem e matem as filhas dos ordinários ministros do STF”, destacou, ao mencionar declarações feitas por uma advogada. Ele também citou conteúdos produzidos por manifestantes que pretendiam “fuzilar” os membros do STF ou mesmo atear fogo no prédio do Supremo com os ministros dentro. “Onde está a liberdade de expressão?”, questionou Moraes, afirmando que a Carta Magna não abriga o direito a “práticas de ódio”.
“Não é isso que a Constituição consagra. Liberdade de expressão não é liberdade de agressão, não é liberdade de destruição da democracia, das instituições e da honra alheia. Reitero minha convicção de que não há democracia sem um Judiciário forte e não há Poder Judiciário forte sem juízes independentes, altivos e seguros”, completou o relator do inquérito.
Não faz parte de nenhum inquérito o cerceamento da liberdade de expressão.
O ministro Luís Roberto Barroso, seguindo a mesma linha de raciocínio, acrescentou que a instauração das investigações pelo STF não ultrapassa os limites legais e que “não faz parte de nenhum inquérito o cerceamento da liberdade de expressão”. “Tampouco faz parte a apuração de todo ou qualquer crime contra a honra de ministros do Supremo, que, como fatos individualizados e isolados, também têm jurisdição própria, tipificação própria e não são competência investigativa do STF em linha de princípio”, sublinhou, acrescentando que o objeto do inquérito das fake news é algo mais amplo por se tratar do sistema democrático.
“Numa democracia, vigora a liberdade mais ampla possível, mas as instituições democráticas precisam ter mecanismos de autodefesa. A democracia precisa ser capaz de agir em legítima defesa, dentro da Constituição, das leis, sempre com proporcionalidade, mas as instituições não podem ficar estáticas, paralisadas ou amedrontadas diante de movimentos que visem destruí-las.”
Gilmar Mendes também afirmou que o caso em questão não se enquadra no conceito de liberdade de expressão. “O movimento orquestrado de robôs, recursos e pessoas para divulgar de forma sistemática ameaças ao STF, seus ministros e familiares passa longe da mera crítica ou manifestação de opinião. Trata-se de movimento organizado e orquestrado que busca atacar um dos poderes responsáveis pelos poderes fundamentais e das regras do jogo democrático”, argumentou.
Controvérsias
Além do debate sobre a liberdade de expressão, a instauração do inquérito por parte do Supremo é um dos principais pontos de crítica às investigações e foi destaque no julgamento.
Sobre a titularidade de investigações, o ministro Barroso, por exemplo, ressaltou que o Ministério Público (MP) não é o único a ter autorização legal para isso. Ele mencionou, além de inquéritos da polícia, apurações feitas em instâncias como Receita Federal, Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários.
Rosa Weber afirmou que o inquérito teria validade legal porque há, no país, precedentes desse tipo de investigação no âmbito dos Três Poderes. Lewandowski acrescentou que, além de estar dentro dos conformes legais, a investigação não colocou impedimentos de acesso aos seus autos por parte do MP e dos advogados das partes interessadas no caso..
Tecnicamente, a instauração de um inquérito pelo STF é uma situação anômala no sistema de Justiça porque, em geral, investigações são conduzidas pela polícia (inquérito policial) ou pelo Ministério Público (inquérito civil). No caso em questão, o STF coordena e, ao mesmo tempo, julga as apurações e os pedidos que chegam no âmbito do inquérito, como é o caso da ação da Rede, por isso o caso despertou alguns questionamentos. Na época da instauração das investigações, a iniciativa foi alvejada inclusive pela então procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
De lá pra cá, o Ministério Público Federal (MPF) tem apresentado comportamento instável em relação ao tema. No último dia 27, após a Polícia Federal (PF) cumprir 29 mandados de busca e apreensão como parte do inquérito, o atual procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu que as investigações fossem suspensas, embora já tivesse defendido, em outubro, que o inquérito seria legal.
A ação judicial
Tecnicamente, o questionamento sobre a continuidade das apurações é julgado no âmbito da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, ajuizada pela Rede Sustentabilidade e relatada por Fachin. O partido questiona a legalidade da Portaria GP 69/2019, do STF, que determinou a abertura das investigações e nomeou o ministro Alexandre de Moraes como relator do caso. O inquérito 4781 teve inicio há mais de um ano, em março de 2019, e tinha previsão de término para janeiro de 2020, mas acabou sendo adiado por mais seis meses.
Na última quarta (10), ao fazer a manifestação de voto, Fachin defendeu o prosseguimento das apurações, mas com algumas balizas. Ele pontuou, por exemplo, que seria preciso contar com o acompanhamento do Ministério Público Federal (MPF) no inquérito. O ministro também disse que se deve resguardar “a proteção da liberdade de expressão e de imprensa, nos termos da Constituição”, excluindo do inquérito matérias jornalísticas e conteúdos, “feitos anonimamente ou não, desde que não integrem esquemas de financiamento e divulgação em massa nas redes sociais”.
Governo e apoiadores
Crítico do inquérito, que atinge diversos apoiadores seus, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem endossado reiteradamente críticas e ataques ao STF, bem como ao Congresso Nacional. Ele também tem dado constantes declarações que são interpretadas como ameaça aos Poderes Judiciário e Legislativo. Nesta quarta (17), por exemplo, o presidente disse que a operação da PF – autorizada pela Corte – que mirou aliados seus teria sido um abuso e que “está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”.
Apoiadores do presidente também têm feito constantes manifestações de ameaças aos Poderes. Na terça (16) e nesta quarta (17), diferentes perfis de apoiadores seus fizeram postagens que foram interpretadas como ameaças indiretas. A página de Sara Giromini, extremista presa na última segunda (15) que adota o pseudônimo de “Sara Winter”, afirmou, na noite de terça, que “amanhã tem novidade”. “Aguardem, e confiem no presidente”, disse ainda.
O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmou, pela mesma rede social, que “nossas sondagens indicam que o presidente Bolsonaro está há muitas horas reunidos com o Gabinete de Segurança Institucional, assunto GLO, Garantia da Lei e da Ordem, Art. 142 da Constituição. Deus nos abençoe a espantar os urubus”.
Edição: Rodrigo Chagas