A empregada doméstica aposentada Luiza Batista, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), falou nessa quinta-feira (4) com o Brasil de Fato Pernambuco sobre o caso da morte do menino Miguel Otávio, de 5 anos, ocorrido na terça-feira (2).
Filho da empregada doméstica Mirtes Souza, o menino caiu do 9º andar do condomínio de luxo conhecido como “Torres Gêmeas”, no Recife. O acidente foi resultado da negligência de Sari Corte Real, patroa da mãe de Miguel e primeira-dama de Tamandaré (PE), que mandou a criança sozinha de elevador para a cobertura do prédio. A líder das domésticas percebe no ato elementos remanescentes da escravidão.
:: Grupo protesta em Recife contra patroa que provocou morte de filho da empregada ::
Luiza Batista afirma que a patroa de Mirtes Souza não só descumpriu o decreto estadual que prevê medidas de combate à covid-19 — que não permite ao casal manter as empregadas domésticas no trabalho —, como também refletiu valores das raízes escravocrata do Brasil.
“Essa patroa é a típica ‘sinházinha’. Ela descumpriu a nota técnica nº 4, de março de 2020, do Ministério Público do Trabalho (MPT) e o decreto estadual, por manter Mirtes e a mãe trabalhando. Por quê? Simplesmente porque ela não queria fazer os serviços domésticos, precisava ter alguém ali para servi-la”, diz Batista.
:: Governo de PE adota “isolamento social rígido” na Região Metropolitana do Recife ::
Em Pernambuco, o trabalho de empregadas domésticas não é considerado essencial e, por isso, os patrões não devem convocar suas empregadas. As únicas exceções são quando as profissionais são cuidadoras de idosos, de pessoas com necessidades especiais e babás de crianças filhas de profissionais de saúde e segurança que estejam na linha de frente do combate à pandemia de covid-19. O caso de Mirtes não se encaixa nas referidas exceções, mas ainda assim seus patrões a estavam submetendo ao trabalho.
Luiza disse ter ficado sabendo do caso nessa quarta-feira (3), mas quando participou de um programa ao vivo, na quinta (4), ficou chocada com uma declaração da mãe de Miguel Otávio. “Ela contou que, quando subiu para o apartamento, ainda sem saber de nada, a patroa disse que não sabia onde a criança estava. Minutos depois, Mirtes descobriu o corpo do filho no térreo, ao que a patroa respondeu dizendo que a criança saiu escondida. Mas as imagens mostram que a patroa colocou a criança no elevador. E Mirtes só descobriu hoje (quinta, 4), pela TV, que a patroa havia mentido”, relata a presidenta da Fenatrad.
Descaso com população negra
Batista lembra outros casos recentes de mortes de crianças e adolescentes negros, seja por representantes do Estado, como a Polícia; seja por famílias poderosas que ocupam posição de poder no Estado, como no caso do casal Sari Corte Real e Sérgio Hacker Corte Real. “Tudo o que estamos vendo acontecer nos Estados Unidos e aqui, no Brasil, como temos a morte de Miguel, a morte de Lucas Gabriel no quintal de casa e tantas e tantas outras vítimas. Todas negras e sem chance de defesa”, diz ela, em tom de revolta.
“A supremacia branca continua ditando as regras e fazendo o que bem entende, sem nenhuma punição. O que será que vai dar para essa ‘sinhá’?”, questiona Luiza, referindo-se a Sari Corte Real.
A liderança afirma que os movimentos populares, especialmente o movimento negro, estão cada dia mais “revoltados com tanta falta de respeito, empatia, consciência, solidariedade e justiça”. “Por [Sari] ser uma mulher branca e de família abastada, ela pagou R$ 20 mil e foi solta. A vida de Miguel vale isso? Ela não vai a júri popular e nem vai responder por homicídio doloso, apenas culposo?”, reclama Luiza Batista. “Se ela coloca uma criança de 5 anos dentro do elevador, aperta o botão da cobertura e deixa a criança seguir sozinha, ela assumiu o risco de que essa criança pudesse vir a sofrer um acidente, que foi fatal”, opina. “Mas agora ela está em casa, no aconchego do lar”, completa.
Na avaliação da presidenta da Fenatrad, se o caso fosse inverso, com Mirtes sendo displicente e permitindo a morte de uma criança da família Corte Real, o sistema Judiciário agiria diferente. “Será que Mirtes estaria em casa agora? Certamente não. Seria encaminhada para a Colônia Penal Feminina do Bom Pastor. Mas infelizmente a lei ainda é muito parcial, garantindo a liberdade de uma mulher por ser branca, rica, de uma família tradicional, enquanto a trabalhadora negra perdeu o único filho”, lamenta Luiza Batista.
Protesto nesta sexta (5), no Recife
Está prevista para esta sexta (5), às 13h, uma manifestação pedindo por justiça ao menino Miguel. Segundo Luiza, o ato terá início no Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), em Joana Bezerra, e seguirá em caminhada até as “Torres Gêmeas”, prédio de onde Miguel caiu. “Mesmo com o isolamento, precisamos ir de máscaras e fazer essa pressão. Não é um ato irresponsável. Ele se faz necessário para gritarmos por Justiça”, considerou.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vivian Fernandes e Vanessa Gonzaga