Junho é o mês do Orgulho LGBT, tendo o dia 28 como a data que marca a celebração e denúncia ao preconceito. A cada ano, os debates em torno da luta contra a LGBTfobia ganham força e legitimidade, acompanhada por garantis de direitos, mesmo em um cenário de conservadorismo e retrocessos sociais.
Dados divulgados no Dossiê de Mortes e Violências contra LGBTI+ no Brasil em 2021 apontam que aconteceram 316 mortes violentas de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexo (LGBTI+). Esse número representa um aumento de 33,3% em relação ao ano anterior, quando aconteceram 237 mortes.
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Sabendo desses dados e atuando no combate à LGBTIfobia em seus espaços, foi que o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST) lançou em maio a Campanha Permanente Contra a LGBTI+fobia no Campo encabeçada pelo Coletivo LGBT Sem Terra.
Para saber mais sobre a campanha e os demais debates que o movimento vem acumulando sobre a luta LGBT no campo, o Brasil de Fato Pernambuco conversou com Wesley Lima, membro da coordenação nacional do MST e do coletivo LGBT sem terra.
Brasil de Fato Pernambuco: Quando surgiu o coletivo LGBT sem terra do MST?
Wesley Lima: O coletivo LGBT no MST é uma iniciativa que nasce na medida em que o MST amadurece um debate que é extremamente importante. O movimento inicia um processo de elaboração em torno da construção da Reforma Agrária Popular e essa Reforma Agrária defendida pelo MST enquanto um projeto para o campo brasileiro se estrutura a partir de diversas dimensões, seja no campo da produção de alimentos, no campo da organização, seja na forma como a gente produz a comida que chega na mesa do trabalhador; mas também nesse momento o MST faz uma pergunta muito importante para o conjunto da organização: para construir a reforma agrária popular nós precisamos ter clareza de quem são os sujeitos e as sujeitas que constroem essa reforma agrária no dia a dia.
O MST tem como princípio visualizar a militância sem terra como seu maior patrimônio, então, não existiria hoje Movimento Sem Terra sem militantes disponíveis para construir a luta política do movimento. E quem são esse sujeitos essa sujeitas que estão nas trincheiras de luta ocupando latifúndios e produzindo alimentos saudáveis? Foi nesse momento que o MST se depara com a diversidade grande no campo brasileiro para além da lógica da família nuclear heterosexual cis normativa.
O MST percebe que conectado com o tema da Reforma Agrária Popular, é necessário debater a diversidade sexual e de gênero, é necessário visualizar dentro desse projeto político a pauta das lutas antirracistas, então é nesse momento, em 2014, quando quando MST realiza o VI Congresso Nacional que ele demarca a necessidade de construir a Reforma Agrária Popular e a necessidade de pensar quem são os sujeito que constroem essa luta política dentro do movimento.
Após a realização do congresso e o debate mais amplo da reforma agrária popular, o movimento inicia pequenas experiências de debate nos estados sobre o tema da diversidade sexual e de gênero a luz dessa provocação que o nosso movimento fez em 2014. É só em 2015 que o MST realiza o seu Seminário de Diversidade Sexual e de Gênero no MST para reunir essa pequenas iniciativas construídas em torno do debate da diversidade sexual e de gênero, e a partir disso, dá o primeiro pontapé nacional em torno dessa discussão. Foi um momento extremamente estratégico para esse debate no conjunto da organização.
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BdF PE: O que foi possível observar na sua vivência o avanço do debate sobre diversidade sexual e de gênero no movimento?
Wesley Lima: O coletivo LGBT existe há oito anos e durante esses oito anos, a gente tem percebido que alguns desafios seguem de maneira permanente para o conjunto da organização. Um primeiro desafio é essa necessidade da gente construir territórios livres de toda a violência, então para o MST é extremamente importante garantir a participação de todos os sujeitos e sujeitas políticas na construção dessa organização e para garantir essa participação, não dá para reproduzir violências no interior da nossa organização. E quando eu falo interior eu estou dizendo de espaços de militância, as instâncias organizativas, espaços de direção, mas eu também estou falando dos nossos territórios de assentamentos, dos acampamentos, das nossas escolas, dos nossos Centro de Formação… essa é uma tarefa importantíssima.
Uma segunda tarefa que tem se posicionado também de maneira muito central nesse momento é a necessidade da gente dar conteúdo para o nosso projeto político. Não basta só eliminar a violência, nós precisamos que o conjunto da nossa organização compreenda que para a construção da Reforma Agrária Popular é necessário construir novas relações humanas na sociedade. Os nossos assentamentos e acampamentos precisam experimentar o que a gente tem debatido em torno da emancipação humana e para debater emancipação humana, é fundamental discutir a liberdade sexual. Quando a gente fala de liberdade sexual a gente está tentando demarcar que é nesse espaço e a partir desse debate que a gente vai discutir as sexualidades e sua complexidade, e não apenas atrelar à dimensão do sexo ou da afetividade. Nós estamos querendo dizer para o conjunto da organização que a sexualidade é um componente que constrói o sujeito político que luta em defesa da reforma agrária.
Então, não se separa o militante que luta pela terra da sua sexualidade. São questões que caminham juntas. A gente precisa dar esse conteúdo político, isso é o que ta posicionado no ponto de vista das individualidades, mas no ponto de vista das coletividades a gente precisa entender que não dá para discutir a reforma agrária popular desassociada da diversidade sexual de gênero, que é esse componente que nos conecta e que compõe essa identidade sem terra.
Por fim, um elemento que eu considero extremamente importante nesse debate é acumular em torno das lutas que o movimento LGBT tem construído na sociedade em geral. Existe um conjunto de direitos conquistados pelo movimento LGBT que são fundamentais. Então o MST ao iniciar esse debate, ele compreende ‘olha, já existe um processo de acúmulo histórico em torno desse luta que o movimento LGBT tem encabeçado’ e qual é a nossa tarefa? É nos posicionar também nessa organização e fazer com que o movimento LGBT, que tem como principal espaço de luta a cidade e os direitos pela da vida dessa população LGBT também compreenda a reforma agrária como uma bandeira de luta sua e vice-versa.
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Wesley (à dir) em Plenária LGBT do MST na Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF) / Foto: Comunicação MST
BdF-PE: Esse ano, no dia 17 de maio, Dia Internacional de Lutas Contra a LGBTfobia, o MST lançou a campanha permanente contra a LGBTI+fobia no campo. No que concerne essa campanha?
Wesley Lima: Nós lançamos essa campanha em um marco extremamente importante. O MST ele vem atravessando um momento de diversas criminalizações, então a gente vem acumulando em torno das criminalizações midiáticas, das criminalizações políticas, inclusive a construção de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) este momento é um sinal de que a extrema direita segue muito forte em nosso país, as pautas conservadoras seguem muito fortes no nosso país e a violência no campo também tem aumentado.
Mas não só a violência política, armada, aquela violência por conta da luta pela terra, mas também a violência nas relações interpessoais provocadas pela LGBTI+ fobia, então a gente vem de um acúmulo de violência sofridas pelos sujeitos LGBT no campo e a partir disso, nós precisamos debater coletivamente que instrumentos nós vamos construir para avançar na luta contra essas violências.
A campanha contra LGBTIfobia puxada pelo coletivo LGBT do MST nasce com esses objetivos: construir espaços de debate, de formação e de conscientização da base social do MST sobre o tema da diversidade sexual de gênero e a necessidade da luta contra a violência e conseguir levantar a bandeira de territórios livres de violência nos nossos assentamentos e nossos acampamentos, isso pra gente é extremamente importante.
Essa campanha ela precisa atuar a partir desse lugar, a partir dos nossos territórios, para que a gente consiga desenvolver processos de conscientização que garantam com que o sujeito LGBT encontre um espaço seguro para sua vivência política. Essa é uma perspectiva fundamental. Um outro elemento é a gente pensar de maneira muito prática como que a gente faz da campanha um instrumento de articulação política com o movimento LGBT olhando principalmente para essa perspectiva jurídica e administrativa. A gente precisa pensar como a gente constrói ferramentas e instrumentos a partir da campanha que nos ajudem a monitorar casos de violência sofridos no campo e a partir disso pensar que ferramentas e que instrumentos nós conseguimos construir para garantir o acolhimento a essas pessoas que sofrem violência, garantir as devidas punições no ponto jurídico em torno dos culpados que provocam esse tipo de violência e etc.
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BdF PE: Ano passado o MST lançou candidaturas sem terra e LGBTs para a disputa eleitoral. Como você observa a importância das pessoas LGBTs e sem terra disputarem também o espaço da política institucional?
Wesley Lima: Uma das primeiras afirmações que o coletivo LGBT sem terra fez para o conjunto do movimento é que nós existimos e estamos construindo o MST em diversas frentes de luta e de batalha, ou seja, os LGBTs Sem Terra estão em todos os espaços construindo a luta política do nosso movimento. No momento em que o MST decide inaugurar a disputa institucional como uma frente de luta importante para esse momento, é claro que os sujeito LGBTs que já estão no todo da nossa organização construindo processos organizativos não abrirão mão desse espaço também. Então nós recebemos, enquanto coletivo LGBT, de maneira muito positiva as indicações dos companheiros e das companheiras que assumiram de frente essa tarefa no ponto de vista da institucionalidade.
Compreendemos que esse também é um espaço estratégico, primeiro para a gente conseguir fortalecer as ações em defesa da reforma agrária, em defesa dos nossos territórios em um momento muito difícil em que a reforma agrária tem sido completamente desmobilizada das agendas políticas mais gerais, então a atuação de mandatos populares, de mandatos sem terras e LGBTs nesse momento é também para fortalecer essa pauta histórica construída pelo MST e defendida pelos camponeses e camponesas. Para nós do coletivo LGBT é fundamental a gente ter esses sujeitos e essas sujeitas atuando também nessa trincheira de luta para poder fortalecer esses elementos.
Coletivo LGBT Sem Terra espalhou cartazes sobre diversidade em todo o parque de eventos da Lapa, sede da Jornada de Agroecologia / Oruê Brasileiro
BdF PE: Quais os desafios ainda a serem enfrentados pela comunidade LGBT Sem Terra e camponesa no Brasil?
Wesley Lima: Uma primeira dimensão que eu acho que está posicionada também como uma tarefa é a necessidade da gente conectar o tema da diversidade sexual e de gênero no campo brasileiro olhando para sua totalidade. A gente tem que construído um exercício nesse último período, de visualizar a pauta da diversidade sexual e de gênero como um espaço de articulação importante não só entre os camponeses e camponesas mas também entre os povos do campo, das águas e das florestas.
Como a gente consegue envolver os povos indígenas na construção dessa pauta? Como a gente consegue envolver as comunidades tradicionais e quilombolas também na construção dessa pauta e dessa luta? os pescadores e as pescadoras? Então, a diversidade sexual e de gênero está presente em todos os nossos espaços de articulação e de luta política no campo brasileiro, então nós precisamos olhar para esses outros espaços também. Então é um desafio nosso pensar hoje de maneira muito concreta como que a gente debate a diversidade sexual de gênero na amplitude na qual ela precisa ser debatida, olhando para esses sujeitos de luta que estão presentes no campo, nas águas e nas florestas hoje em nosso Brasil.
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Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga