O relatório da Comissão Pastoral da Terra, apresentado no final do ano passado a respeito da violência no campo, constatou um aumento de 150% em relação a 2021 no número de assassinatos no campo, sendo o maior registro desde 2016. As mortes guardam relação direta com o avanço selvagem do capital sobre a natureza (terra e água) e sob áreas de pequenos agricultores, ribeirinhos, quilombolas, sem-terra, posseiros e indígenas. Dentre os causadores dessa violência estão empresários, fazendeiros, governadores, grileiros, madeireiros, mineiros, garimpeiros, muitas vezes por meio da contratação de jagunços.
O relatório do CPT, publicado periodicamente há mais de 30 anos, é um triste retrato da violência contra trabalhadoras e trabalhadoras e expõe a forma predatória como a ganância do capital e de seus agentes operam nos sertões brasileiros. Isso ficou ainda mais evidente com uma crise ambiental causada deliberadamente pelo último governo ao encorajar e ser protagonista da sua configuração e, pela trágica situação do povo Yanomami, igualmente incentivada por agentes do Estado. Toda essa situação chocou o mundo todo.
:: Como o garimpo captura o imaginário dos jovens Yanomami ::
Esse quadro social dramático no campo deveria exigir da chamada bancada ruralista do Congresso Nacional e dos líderes de entidades representativas desses setores, um reposicionamento drástico, ainda mais sob um governo que busca refazer a imagem negativa do país no exterior, e aumentar a entrada de produtos brasileiros nas prateleiras dos mercados de todo o mundo. Aliás, é nítido também uma busca desse mercado pela recepção de produtos produzidos com cuidados éticos mínimos, seja por razões de saúde como sociais.
Mas nada disso parece causar constrangimento ou mesmo frear o ímpeto da bancada ruralista no Congresso Nacional que parece continuar presa a uma opção pela violência para tratar de profundas chagas sociais e ambientais. Sua mais nova ação é aquilo que podemos denominar de jaguncismo jurídico contra representantes e pessoas trabalhadoras.
O jaguncismo jurídico da bancada ruralista inveja uma série de ofícios para autoridades pleiteando uma prisão e investigação contra um dos ativistas do MST. Nesses pedidos, fica evidente o completo desconhecimento do direito ao solicitar a prisão com base em um recorte de um vídeo em que se cobra o cumprimento da Constituição da República, se demonstra preocupação com a fome de 30 milhões de brasileiros e, se relembra o massacre de Eldorado dos Carajás, ocorrido em 17 de abril de 1996, trágico episódio da história do país em que 19 trabalhadores foram assassinados pela PM do Pará.
:: Frente Agropecuária paga campanha contra MST no Facebook e Instagram ::
É irônico, mas não surpreende, que a bancada ruralista veja como crime e peça a prisão de quem defende o meio ambiente, a vida dos indígenas e o respeito à Constituição. É revelador, mas também não surpreende, que a bancada ruralista queira a prisão de quem denuncia a fome e a violência contra os trabalhadores. O incômodo com essas pautas e essas denúncias é praticamente uma confissão de culpa.
Deveriam os nobres parlamentares que se inspiram no belíssimo trabalho dos trabalhadores de cooperativa do sul do país que se tornaram os maiores produtores de arroz orgânico da américa latina, mas o jaguncismo, seja ele o dos sertões brasileiros que ceifam as vidas de milhares de homens e mulheres com a bala das armas, seja o dos ofícios e pedidos jurídicos absurdos, infelizmente ainda é mais forte e latente nesse segmento rural brasileiro.
* Patrick Mariano é doutor em teoria geral do estado e filosofia do direito pela USP
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Thalita Pires