Em vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, divulgado a mando do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles afirma que o período da pandemia seria ideal para passar reformas “infralegais”, de “simplificação” e “desregulamentação” de leis ambientais.
Na sequência, chega a convocar outros ministros para “ir passando a boiada, ir mudando todo o regramento”, enquanto a imprensa estava ocupada tratando do impacto do novo coronavírus no Brasil. No dia da reunião, o Brasil acumulava 45 mil casos e quase três mil mortos, vítimas de covid-19. Mas o que o ministro queria dizer com “reformas infralegais” e “passar a boiada”?
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Segundo o dicionário, o termo infralegal diz respeito a “atos e preceitos que não se encontram perfeitamente de acordo com os mecanismos legais”. E boiada? A expressão coloquial geralmente tem a intenção de traduzir uma situação de facilidade de entrada para algo ou algum lugar.
O Brasil de Fato selecionou algumas das políticas ambientais recém aprovadas pelo governo e algumas que estão em vias de serem aprovadas, para mostrar a gravidade dos efeitos da boiada conduzida por Ricardo Salles.
Confira em vídeo a reportagem completa
Boiada que passou: sucateamento, agrotóxicos, militarização e censura
Uma série de alterações de instruções normativas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), publicadas entre março e abril foi o que pode se considerar uma verdadeira boiada.
Entre as alterações, a de número quatro autoriza a regularização de propriedades rurais em terras indígenas. A medida altera a “Declaração de Reconhecimento de Limites” e permite a invasão, a exploração e até a comercialização de terras indígenas ainda não homologadas.
Outra normativa é a número 13, que autoriza a diminuição da distância entre áreas povoadas e aquelas em que ocorrem pulverização de agrotóxico.
A prática é considerada ilegal na maioria dos países da Europa e, há mais de 10 anos, é também responsável pela contaminação de moradores de comunidades rurais, indígenas, quilombolas e até escolas em áreas rurais.
No começo de março, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, assinou uma portaria interna que restringiu o acesso de servidores do órgão à imprensa.
No mês seguinte, após repercussão da ação do Ibama contra garimpeiros que atuavam em terras indígenas no Pará, Salles demitiu o diretor de proteção ambiental do Ibama, Olivaldi Azevedo, e outros dois servidores que chefiavam as fiscalizações, Hugo Loss e Renê Luiz de Oliveira.
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O cargo de diretor de proteção ambiental foi ocupado pelo coronel da Polícia Militar (PM) de São Paulo, Olímpio Ferreira Magalhães. Os outros dois postos foram preenchidos pelo coronel da reserva da PM Walter Mendes Magalhães Júnior e o servidor Leslie Tavares, que era analista ambiental do Ibama em Manaus e foi investigado em 2019 por ter devolvido a garimpeiros infratores embarcações que haviam sido apreendidas.
No dia 12 de maio, quando o Brasil possuía 3.949 pessoas vitimadas pelo covid-19, o governo federal assinou uma portaria que autorizava a reestruturação do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Na prática isso significou uma redução de 11 para 5 no número de servidores responsáveis por 335 unidades de conservação em todo Brasil.
Além disso, a portaria abriu a possibilidade para que as posições pudessem ser ocupadas por pessoas fora do órgão. O resultado foi que das cinco gerências do ICMBio, apenas uma é ocupada por um agente de carreira do órgão. As outras quatro são comandadas por policiais militares. A alteração é outro exemplo de mudança infralegal, porque não precisou passar pela chancela do Legislativo, e entrou em vigor imediatamente.
Boiada que quase passou: grilagem, desmatamento e anistia para desmatadores
Após pressão movimentos sociais e ONGS que lançaram campanha denunciando a fala de Salles, algumas medidas retrocederam.
Uma foi o PL da grilagem. Antes colocada para votação como MP 910, a medida não foi votada dentro do prazo e caducou. Patrocinada pela Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), O Projeto de Lei 2633/2020, promove a regularização de terras públicas ilegalmente ocupadas. Segundo analistas, na prática irá legalizar a grilagem de terras, além de ampliar o desmatamento na Amazônia e da violência no campo.
A reforma infralegal voltada à permissão de desmatamento da Mata Atlântica, citada pelo ministro na famosa reunião também não conseguiu passar. Emitida por meio de despacho 4.410/2020, a proposta, que também abre brecha para que os proprietários que foram multados pelo desmatamento sejam anistiados. O ministro anulou o despacho porém ele pode voltar a ser pauta.
Boiada que está por vir: nova lei de licenciamento ambiental e concessão de florestas para a agricultura
Apesar da repercussão extremamente negativa da fala do ministro durante a reunião e da crise política e sanitária que o país enfrenta, o governo não desacelerou o andamento de aprovação de medidas para “simplificação” e “desregulamentação” de leis ambientais.
No último dia 25, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) transferiu do Ministério do Meio Ambiente, de Ricardo Salles, para o Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina, a competência para realizar concessões de florestas públicas em âmbito federal.
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Outro exemplo de ação de grande porte é a preparação para votação da PL do licenciamento ambiental. A quarta versão do projeto de lei, que tramita na Câmara há 15 anos, redigida pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) foi criticada por propor afrouxamento ainda maior das regras para o licenciamento de obras.
O PL 3729 de 2004 pretende dar carta branca para que cada estado defina, de forma independente, quais serão as regras de seus processos de licenciamento. o texto não prevê compensações ambientais para impactos indiretos causados pelos empreendimentos.
O PL retira do Instituto Chico Mendes (ICMBio) o poder de veto a empreendimentos. Outro item polêmico atribui ao Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos agricultores o mesmo peso de um licenciamento ambiental.
Edição: Leandro Melito