As mudanças postas em prática nesta semana no alto escalão do governo federal não fazem parte de um movimento único do Palácio do Planalto, e possuem causas e objetivos distintos, avaliam políticos e analistas ouvidos pelo Brasil de Fato, inclusive da base de apoio de Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso.
Para os entrevistados, o que move as mudanças são três fatores: a acomodação do centrão e de suas agendas no governo, a busca de um comando das Forças Armadas alinhado ao pensamento e aos interesses do presidente Jair Bolsonaro e o atendimento a demandas de setores econômicos que estão na base de sustentação do Executivo.
Entenda os motivos e o que significam as mudanças em cada uma das áreas do alto escalão do governo federal.
Ernesto Araújo: empecilho aos econômicos nacionais
Atritos com a China – que, além de ser produtora de vacinas, é o principal parceiro comercial do Brasil – e dificuldade em fechar acordos para a obtenção de imunizantes junto a outros países e empresas internacionais estavam na base dessas críticas.
Na semana passada, Araújo participou de sessão da Comissão de Relações Exteriores do Senado e ouviu de uma série de parlamentares que deveria deixar o cargo.
A senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão, foi uma das mais veementes nas críticas. Pecuarista e uma das maiores representantes do agronegócio no Parlamento, a parlamentar foi uma das que pediu a saída do ex-chanceler.
Em resposta, no último domingo (28), Araújo foi às redes sociais para afirmar que a senadora teria dito ao chanceler que ele seria o “rei do Senado” se fizesse um gesto em favor da China no sistema 5G de telecomunicações, pois a postura do governo federal até o momento seria de impedir a participação das empresas chinesas no leilão a ser feito em breve.
:: Saiba mais: Leilão do 5G no Brasil sem veto à Huawei expõe fracasso da narrativa anti-China ::
Em comunicado divulgado à imprensa, Kátia Abreu refutou qualquer pressão, chamou o ex-ministro de dissimulado e reforçou a urgência de sua saída do governo, “para o bem do país”. Outros senadores saíram em apoio à colega, aumentando a pressão contra Araújo.
Para o professor Giorgio Romano, da Universidade Federal do ABC e membro do Observatório da Política Externa e da Inserção Internacional do Brasil (OPEB), o ex-chanceler foi afastado por não ter a capacidade de dialogar com integrantes da base de apoio do governo federal.
“A saída de Araújo já vinha sendo anunciada há muito tempo. Ele teve uma sobrevida, mas sua permanência agora se tornou impossível. O presidente Bolsonaro precisa manter uma boa relação com o centrão, e Araújo se mostrou uma pessoa impossível de manter esta relação”, diz o professor.
Já para Rafael Ioris, professor de História e Política da Universidade de Denver, “Ernesto Araújo não só seguia a linha ideológica fundamentalista do governo, mas fazia isso com muita fanfarra, muito barulho”.
Outro ponto, porém, chama a atenção do especialista. “Pode ser que o governo Bolsonaro tenha sentido a pressão dos interesses econômicos brasileiros. Ele sabotou a si mesmo com seu estilo, mas a pressão do agronegócio já vinha crescendo, pois o Brasil estava desgastando com seu principal parceiro comercial. Uma das vozes principais que pressionou pela saída do chanceler foi da senadora Kátia Abreu, uma das grandes representantes do ruralismo brasileiro”.
Secretaria de Governo da Presidência: sai general, entra o centrão
Em primeiro mandato, a deputada Flávia Arruda (PL-DF) já havia assumido a presidência da Comissão Mista de Orçamento (CMO) da Câmara dos Deputados, um cargo dos mais importantes da Casa. Agora, foi escolhida para se tornar ministra-chefe da Secretaria de Governo da Presidência da República.
Ela foi indicada pelo centrão – fato que o próprio governo não esconde – ocupando o cargo em que estava o general da reserva Luiz Eduardo Ramos, transferido para a Casa Civil.
A acomodação de parlamentares do centrão e de seus interesses no governo é uma questão de sobrevivência para Jair Bolsonaro. E, como se sabe, não costuma sair barato, em termos de cargos e emendas no Orçamento, o apoio de deputados e senadores deste grupo a qualquer governo.
Para o deputado Coronel Tadeu (PSL-SP), aliado de primeira hora e membro da tropa de choque do presidente no Congresso, não é possível afirmar se os cargos entregues ao centrão serão suficientes para garantir seu apoio:
“É preciso esperar algumas semanas para ver se a troca foi benéfica, se a base está consolidada ou não. Poder, eu aprendi na minha vida, nunca é demais. No mundo político, quanto mais você tem, mais você quer. Nunca ninguém está satisfeito com o poder que tem, sempre está querendo mais, essa é a regra do jogo”, diz o deputado.
Ele conclui: “Essa foi a peça da reforma ministerial que buscou utilizar a política para se contrapor a esses mares mais agitados que, na prática, representam o risco de interrupção do mandato presidencial”.
Ministério da Defesa e os militares: Bolsonaro quer obediência
Na área militar, logo após a demissão do general Fernando Azevedo e Silva, então ministro da Defesa, os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica colocaram seus cargos à disposição.
As saídas de Edson Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Moretti Bermudez (Aeronáutica) foram confirmadas no início da tarde desta terça-feira (30). Os substitutos ainda não foram anunciados.
“É um sinal muito negativo. Isso nunca aconteceu na história republicana do Brasil e indica que a cúpula das Forças Armadas está em discordância com os pedidos feitos pelo comandante-em-chefe”, ressalta Lucas Rezende, professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
“Não é preciso ser um expert para entender que Bolsonaro pressionou mais do que devia as Forças Armadas”, completa o pesquisador.
O conjunto de versões para os motivos das trocas militares inclui até a insatisfação de Bolsonaro com o general Edson Pujol, Comandante do Exército Brasileiro, por não se manifestar diante das decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que beneficiaram o ex-presidente Lula (PT) no âmbito da operação Lava Jato.
“Tenho visto as mais diferentes hipóteses, e cada jornalista está falando uma coisa diferente. Por isso, não me posiciono em relação a nenhuma delas. O que é evidente é que ele quer obediência cega desses setores”, ressalta João Roberto Martins Filho, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (2005-2008).
“Pode ser que ele [Bolsonaro] quisesse fazer um bafafá tremendo no 31 de março, como foi feito em 2019 e 2020. Mas, agora, o clima mudou. Não há condições de fazer festa, porque o país está de luto. Então, isso pode ter sido um dos fatores”, diz o pesquisador, chamando atenção para o aniversário do golpe civil-militar, na próxima quarta-feira (31).
Edição: Poliana Dallabrida