Polícia chilena reprime mulheres mapuche que tentam vender alimentos durante pandemia

Diário Carioca

A violência dos Carabineros (polícia militarizada chilena) e do governo neoliberal de Sebastián Piñera contra as minorias sociais é alvo de constantes denúncias dos movimentos populares chilenos e um dos fatores que motivou os protestos que tomaram o país durante o ano passado e o início deste ano.

Em meio ao atual contexto de pandemia, enquanto o governo nega auxílio a boa parte da população pobre, a polícia reprime nas ruas as pessoas necessitadas que buscam sua única forma de sustento.

Nos últimos dias, as comunidades mapuche de Temuco, no sul do Chile, vem sofrendo seguidos ataques dos Carabineros, que atuam expulsando as hortaliceiras mapuche (como são conhecidas) das ruas e confiscando seus produtos, às vezes de forma violenta. Essas ações estão baseadas em uma nova ordem municipal do prefeito Miguel Becker, que tornou ilegal a atividade das vendedoras mapuche, justamente em um momento em que elas mais precisam de sua fonte de renda.

Becker é membro do partido Renovação Nacional, representante da direita neoliberal e o mesmo partido do presidente Sebastián Piñera, cujas medidas para a região da Araucania (da qual Temuco é a capital) em meio à pandemia estão focadas na presença de militares, e não de profissionais médico, embora seja uma das quatro mais afetadas do país pelo coronavírus, tanto em quantidade de casos quanto de mortes.

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Em algumas das cenas registradas em vídeo por transeuntes, é possível ver como os policiais, durante essas ações de confisco, chegam a jogar na rua os alimentos produzidos pelas comunidades, e que as hortaliceiras vendem em suas banquinhas nas ruas da cidade.

“Produtos saudáveis”

A comercialização de produtos agrícolas produzidos pelas comunidades é a principal fonte de sustento de muitas comunidades mapuche, e são a forma como elas conseguem conviver com o mundo capitalista sem abandonar suas crenças e tradições, baseadas em viver dos produtos que a terra dá.

Segundo as hortaliceiras, as autoridades jogaram sua atividade e seu sustento na ilegalidade, e não respeitam a sua cultura. Yolanda Llanquitur, representante da organização Zomo Newen (que significa “força de mulher” no idioma mapuche), reclama da estigmatização através da medida do prefeito Becker, que justifica sua decisão questionando a qualidade dos produtos que elas vendem.

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“Que não haja mais Batalhão de Choque, nem hoje nem nunca, porque somos mulheres mapuche que queremos trabalhar livremente. Não estamos roubando, o que temos aqui é produção nossa. Que a comunidade tenha toda a confiança, e os que vêm de fora também, que tenham confiança de que estamos vendendo produtos saudáveis.”

Que a comunidade tenha toda a confiança, e os que vêm de fora também, que tenham confiança de que estamos vendendo produtos saudáveis.

Para proteger a integridade física, e também as práticas culturais do povo mapuche, a deputada Emilia Nuyado, que representa esta comunidade apresentou uma iniciativa parlamentar que contou com o respaldo de várias bancadas de esquerda, que são maioria ao menos na Câmara dos Deputados (mas não no Senado).

O projeto visa reconhecer as práticas ancestrais de comercialização dos mapuche, para que a economia indígena seja preservada, especialmente neste período tão difícil para a economia chilena, onde a fome começa a ser realidade em várias regiões do país – especialmente na Região Metropolitana de Santiago, onde fica a capital e a maior parte da população, embora a Araucania, onde está a maior parte das comunidades mapuche ancestrais, não esteja isenta do problema.

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De acordo com a deputada Nuyado, do Partido Socialista, “em meio a um Estado de catástrofe, como o que estamos vivendo, não se pode restringir a produção, não se pode restringir a venda dos produtos nos diversos mercados onde os povos indígenas trabalham. O direito constitucional desses povos deve ser respeitado, e devem ser tomadas medidas para garantir sua renda, sem restrições, nem perseguições, nem esta criminalização da produtividade de cada um deles, em seus diversos territórios”.

* Matéria escrita em colaboração com Paola Cornejo, direto de Santiago

Edição: Rodrigo Chagas


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