Por que Fortaleza se tornou a capital mais atingida pelo novo coronavírus

Diário Carioca

A cidade de Iguatu, no interior do Ceará, registrou, na última sexta-feira (3), a morte do paciente mais jovem da covid-19 no Brasil. A vítima tinha apenas três meses de idade. Depois de São Paulo e Rio de Janeiro, o estado do Nordeste é o terceiro mais atingidos pela doença, com 1445 registros confirmados e 57 mortes até esta quinta-feira (9), de acordo com o Ministério da Saúde. A concentração se dá em Fortaleza, a capital brasileira com a maior incidência de casos.

Para explicar por que o estado se encontra nessa posição, o Brasil de Fato conversou com o epidemiologista e consultor do Consórcio Nordeste Antônio Silva Lima Neto, convidado do programa Bem Viver desta sexta-feira (10).

Ele pontuou quatro fatores que levaram o Ceará a essa situação. Primeiro, a região se tornou, há cerca de dois anos, um “hub aéreo”, passando a ter um fluxo maior de voos e visitantes internacionais. 

Outro fator foi a realização de dois eventos sociais expressivos que facilitaram a circulação do vírus. O terceiro seria o fato de o estado ser um dos que mais estão realizando testagem, o que aumenta o número de registros. E, por último, está a sazonalidade dos vírus respiratórios. “O Nordeste é a primeira região onde há aumento das viroses respiratórias”, destaca Neto.

Brasil de Fato: Antônio, como está a situação no estado do Ceará?

Antônio Silva Lima Neto: É importante dizer que nós estamos vivendo, nesse momento, no estado, uma onda precoce de circulação viral intensa, que aconteceu desde mais ou menos a segunda semana de março e que tem alguns fatores que se relacionam a essa alta incidência, sobretudo na capital. Hoje, Fortaleza é realmente a capital com a maior taxa de incidência de casos do Brasil, de aproximadamente 34 casos por 100 mil habitantes. 

A nossa incidência realmente está bem elevada, ao contrário da letalidade, que está em torno de 3,6 e é semelhante a de muitos países, ao passo que outros estados têm letalidade muito alta e baixa incidência, porque não têm detectado um número de casos muito grande e também porque não têm passado por uma circulação viral tão intensa quanto a nossa.  

E por que a capital está liderando os números do coronavírus? 

Existem algumas razões bem objetivas para isso. A primeira delas é a questão de Fortaleza ter se transformado no hub aéreo. No último ano, passou a ter 20 voos internacionais por semana, então passou a ter um fluxo internacional muito intenso, mesmo que seja apenas para conexão, mas muitas vezes os viajantes e turistas passam alguns dias aqui. Isso é um aspecto. 

Um outro aspecto foi o fato de a gente ter tido dois eventos sociais muito marcantes fundamentais para a introdução do vírus. Um deles foi um casamento que aconteceu na Bahia e que tinham muitos convidados de Fortaleza. Quando retornaram, tivemos aproximadamente dez casos positivos, ainda no início de março. Essas pessoas circularam muito, porque o diagnóstico não foi precoce, porque era o início da pandemia, então não houve a capacidade de diagnosticar. Então houve uma circulação precoce. 

Outro detalhe é o fato de que a sazonalidade de viroses respiratórias no Ceará ocorre sobretudo no início das chuvas, que é mais ou menos entre fevereiro e março. Nós estamos em um momento que é um momento de aglomeração pela chuva, porque nós não temos amplitude térmica, inverno rigoroso com queda de temperatura. A gente tem chuva ou sol. Então as estações não são muito bem definidas. Essas questões contribuíram para isso. 

Mas o fundamental é o fato de o estado ter se proposto a fazer testagem o máximo possível. Para se ter uma ideia, nessa quarta-feira (9), nós tínhamos 7 mil testes realizados pelo laboratório central, que são testes rápidos, são testes de pesquisa de vírus, então é um número bem importante. 

Então a gente fez uma testagem de larga escala e isso faz com que a gente realmente tenha uma incidência alta realmente, um número de casos elevado, mas a nossa letalidade não é tão alta. Mesmo a gente tendo cerca de 40 mortes [neste momento, já são 57], a gente tem aproximadamente 1300 casos [neste momento, são 1445]. A nossa letalidade fica ali em 3%, que é o esperado.  

Isso normalmente tem a ver com a questão de insumos, capacidade laboratorial. Isso é uma coisa que a gente tem até discutido muito no âmbito do Consórcio Nordeste para disseminar e descentralizar isso para fazer com que todos os estados ganhem capacidade para que a gente tenha um conhecimento da situação epidemiológica menos subnotificada, porque a situação aqui é de subnotificação. 

Agora o senhor tocou em um ponto importante, que é da capacidade de atendimento. Como está o sistema de saúde no estado e, de modo mais específico, na capital? Quais as condições de atendimento nas próximas semanas, visto que o pico de casos ainda não ocorreu?

Hoje, neste momento, nós temos um hospital privado que foi arrendado com quase 300 leitos pelo governo do estado, onde nós temos atualmente em torno de 75 pacientes internados. Também temos a ampliação de leitos na capital, em Fortaleza, realizada pelo governo municipal. No principal hospital de traumas, já foram ampliadas 40 vagas de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Hoje nós temos uma capacidade nesse hospital de 90%. No outro, nós ainda temos mais ou menos 40%. Aí tem as UTIs privadas também. 

Além disso, vai ter um hospital de campanha em Fortaleza, que vai ser entregue provavelmente no dia 15 de abril, com 200 leitos, que fica no Estádio Presidente Vargas (PV), que poderá ser usado para fazer a retaguarda dos casos menos graves. Aqui ficarão os casos menos graves, com oxigenação, mas não necessariamente faz intubação e ventilação mecânica. Além destes, nós temos hospitais regionais do interior do estado, com leitos de UTI. 

Por enquanto, nós temos uma demanda pequena, mas é provável que chegue ao interior. Nesse momento em que a gente está falando, nós ainda não estamos próximos de um colapso do sistema de saúde, até porque eu acho que o padrão de dispersão espacial do vírus aqui talvez seja parecido como o de São Paulo, ou seja, começou muito nas áreas mais ricas. Então as UTIs privadas foram muito ocupadas, já tem um retrocesso agora em relação a isso. Já tem diminuído nesses bairros centrais. Agora a gente tem monitorado muito a dispersão periférica em fortaleza e nos municípios do interior. 

Essa é a preocupação principal do estado neste momento?

A nossa preocupação fundamental agora é se vai haver o que algumas pessoas têm chamado de tsunami, que é o período em que o número de casos diminui, porque há um esgotamento de algumas áreas, principalmente do setor privado, dos bairros mais ricos; depois viria uma avalanche de casos produzidos nas áreas mais periféricas.

Então a gente está se preparando para isso. Neste momento, a gente não tem uma situação desconfortável com relação à capacidade instalada da rede assistencial. Mas nós temos um problema que eu acho que o mundo todo teve, que é a questão da contaminação eventual de profissionais da saúde. Essa é uma questão central. 

Como Itália, França, Espanha e Estados Unidos vêm descrevendo, às vezes por contaminação dos profissionais ou por não ter profissionais intensivistas em quantidade suficiente, existe a dificuldade de fechar as escalas.

Estamos nos esforçando muito para além de oferecer a capacidade laboratorial e hospitalar. Num âmbito mais geral, tem duas questões centrais: equipamentos de proteção e profissionais de saúde. Como eu mencionei, o que mais nos preocupa é conseguir, e a gente tem conseguido, garantir equipamentos de proteção e diminuir a transmissão dentro dos hospitais para impedir que os profissionais da Saúde não adoeçam e possam compor as equipes normalmente.

Edição: Vivian Fernandes


Share This Article
Follow:
Equipe de jornalistas, colaboradores e estagiários do Jornal DC - Diário Carioca