O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) lançou, nesta sexta-feira (5), o Plano Emergencial de Reforma Agrária Popular, cujos objetivos são a democratização do acesso à terra e o combate à crise econômica e social agravada pela pandemia de covid-19.
Os objetivos, como defende Débora Nunes, da direção nacional do MST em Alagoas, são consonantes, uma vez que a “reforma agrária é necessária para abastecer de alimentos as cidades, principalmente as periferias urbanas e para garantir uma relação equilibrada entre os seres humanos e a natureza”.
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Durante o lançamento do plano, por meio de uma transmissão ao vivo nas redes sociais, Nunes afirmou que a intenção do movimento é uma “convivência harmoniosa, onde nós podemos, na preservação da biodiversidade, tirar o fruto, o alimento necessário, mas que a gente possa, sobretudo, também preservá-la”.
“É a nossa proposição e a nossa construção prática nesses 36 anos de movimento”, disse a agricultora.
Segundo a visão do MST, a convivência harmoniosa é uma das consequências práticas da Reforma Agrária e não será possível a permanência no campo sem a preservação do meio ambiente. “Trata-se de um modo de vida na agricultura que é a construção da agroecologia: não é possível produzir alimento saudável, não é possível preservar o meio ambiente, se a gente não enfrenta diretamente a destruição que o agronegócio tem feito com todos esses biomas, os bens comuns da natureza”.
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Mas para que a Reforma Agrária aconteça e a agroecologia torne-se uma realidade massiva, é preciso alterar a estrutura fundiária brasileira. O último Censo Agropecuária, de 2019, do IBGE, com informações referentes a 2017, 1% das 5.073.324 propriedades de terra do País concentram 47,6% da área ocupada por todas as fazendas, com mais de mil hectares. Em 2006, ano da pesquisa anterior, essa concentração era de 45%. Já as propriedades com até 10 hectares, que são 50% dos estabelecimentos e ocupam 2,3% do território rural.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF*
O atual modelo do agronegócio está intimamente ligado à industria do veneno. O governo de Jair Bolsonaro (sem partido) já deu diversas demonstrações de que está do lado, tanto dos latifundiários, com manobras como a Medida Provisória 910, a chamada MP da Grilagem, que pretendia distribuir 65 milhões de hectares de terras públicas para fazendeiros e desmatadores, principalmente nos estados da Amazônia Legal; quanto dos agrotóxicos, tendo liberado somente nos primeiros dez meses de governo mais agrotóxicos do que em 14 anos.
“Temos combatido o uso de agrotóxicos e denunciado o que as grandes empresas transnacionais e o capital têm feito no campo com o uso intensivo de agrotóxico, contaminando a terra, o lençol freático e destruindo a possibilidade que a biodiversidade seja preservada”, defende Nunes.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF*
“Terra e Trabalho”
O plano de Reforma Agrária Popular é dividido em quatro eixos principais. O primeiro deles se refere ao tema da concentração fundiária propõe o assentamento das famílias que hoje estão acampadas, desempregadas e nas periferias das cidades e a desapropriação de latifúndios improdutivos.
“Nós fizemos um levantamento entre 729 empresas que estão devedoras da União. Nós temos pelo menos ali uma dívida de R$ 200 bilhões de sonegação fiscal. Se essas empresas pagassem em terra para o governo brasileiro, restituindo os cofres públicos, só ali a gente teria a possibilidade de arrecadar seis milhões de hectares de terra”, explica a coordenadora Kelli Mafort, que também aponta como alternativa a distribuição das terras devolutas do estados.
Segundo dados divulgados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) no ano passado, os grandes devedores, com débitos superiores a R$ 15 milhões, são responsáveis por 62% da dívida ativa da União e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que atingem um valor total de R$ 1,368 trilhão.
Outros pontos do primeiro eixo são a garantia das reservas indígenas e áreas ambientais e a suspensão de subsídios e isenções fiscais às empresas de agrotóxicos e aplicação dos recursos na Reforma Agrária.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF*
“Produção de alimentos saudáveis”
O segundo tópico do Plano Emergencial diz respeito ao investimento de políticas públicas em segurança alimentar e nutricional, um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU).
Nessa esfera, o MST elenca como uma das medidas a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), implementado em 2003, que prevê a compra de alimentos produzidos pela agricultura familiar, com dispensa de licitação, e a destinação às pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional.
De acordo com o Portal da Transparência do Governo Federal, o orçamento realizado em 2019 pelo programa diminuiu em relação aos anos anteriores, de aproximadamente 5 milhões, em 2017, para 3 milhões no ano passado.
Outra medida elencada pelo MST é o financiamento de máquinas agrícolas para a agricultura familiar e o uso de linhas de crédito especial de bancos públicos para financiar agroindústrias cooperativas.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF*
“Proteger a natureza, a água e a biodiversidade”
O terceiro eixo do Plano Emergencial de Reforma Agrária é nevrálgico quando o assunto é concentração fundiária: diz respeito à exploração da terra por meio, a exemplo, de agrotóxicos e desmatamento. Nesse sentido, entre as medidas estão impedimento de uso dos agrotóxicos que contaminam as águas e as terras, produção de sementes agroecológicas e o estímulo à formação de agroflorestas.
Para o movimento, demarcar as áreas quilombolas, os territórios indígenas e o direito de comunidades ribeirinhas e nativas são medidas essenciais para zelar e proteger fontes de água e a biodiversidade em cada bioma.
“Nós só vamos ter um processo de preservação dos bens naturais, se a gente defender os povos. Aonde está o agronegócio e aonde está a mineração é onde mais existem os conflitos de luta pela terra. Tanto o Bolsonaro, como o Salles sabem que para poder passar a boiada, é preciso passar a boiada por cima das pessoas”, comenta Maffort sobre a afirmação do ministro Ricardo Salles, na reunião ministerial do dia 22 de abril.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF*
“Condições de vida digna no campo para todo povo”
Neste ponto, o MST trata de medidas referentes ao investimento de políticas públicas no campo com o objetivo de garantir uma qualidade mínima de vida. Entre os pontos estão a manutenção das escolas no campo e o fortalecimento do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), assim como do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera).
O MST também elenca como essencial a garantia do acesso ao programa “Minha casa, minha vida” no meio rural, o combate à violência doméstica no campo e o fortalecimento do Sistema Único de Saúde, tanto no meio rural quanto no meio urbano.
Arte gráfica: Fernando Bertolo/BdF
*Fontes dos gráficos: IBGE – Censo Agropecuário de 2019; Oxfam – relatório Terra, Poder e Desigualdade na América Latina, 2019; Portal da Transparência do Governo Federal; Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon); Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama); Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
Edição: Rodrigo Chagas