Os 80 casos de covid-19 confirmados em comunidades indígenas do Rio Grande do Sul acenderam o alerta para a vulnerabilidade dessa população. A maioria dos casos está vinculada aos indígenas que trabalham em frigoríficos da empresa JBS na fronteira com Santa Catarina, cujas aldeias estão localizadas na região norte do estado.
O tema foi debatido nesta quarta-feira (17), na primeira audiência pública virtual da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
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Organizada pelo deputado Jeferson Fernandes (PT), a audiência encaminhou a formação de um grupo de trabalho, através da secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos e demais órgãos públicos, para ações imediatas nas 16 aldeias e reservas indígenas em território gaúcho.
Sobre a situação nos frigoríficos, Fernandes vai procurar o presidente da Assembleia, deputado Ernani Polo (PP), para incluir a situação da comunidade indígena nos debates a respeito das regras de reabertura desses locais.
O coordenador do Conselho Estadual de Política Indígena (Cepi) e do Conselho Distrital Sul da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, Cacique Deoclides, destacou que o vírus está entrando nas aldeias da região norte do estado através dos indígenas que trabalham nos frigoríficos da JBS.
Como coordenador de saúde do Cepi, ele afirmou que buscou entendimento com a empresa para aumentar o período de isolamento desse grupo, depois de decisão do Ministério Público do Trabalho que autorizou 15 dias de afastamento dos trabalhadores. Nesse período, foram registrados dois casos na aldeia que faz divisa com Santa Catarina. Na região, em torno de 300 indígenas estão vinculados aos frigoríficos da JBS.
Cacique Deoclides relatou que na reunião realizada na última sexta-feira (12) com o Conselho Nacional de Justiça, a Procuradoria-Geral de Justiça e o Conselho Nacional de Direitos Humanos, ele manifestou preocupação com a vulnerabilidade das aldeias caingangues diante dessa situação.
“A maioria dos casos suspeitos ou provados de covid-19 nessas aldeias vieram do frigorífico”, avisou, preocupado com o retorno das atividades e a possibilidade de aumento de contágio entre a comunidade indígena.
Ele sugeriu o uso imediato de barreiras sanitárias nas aldeias como medida para conter o avanço do contágio, além das ações já implementadas de distribuição de cestas básicas e kits de higiene.
Vulneráveis e sem médicos
A chefe da Divisão de Atenção à Saúde da Sesai, Selma Teles, informou que no estado são 80 casos de indígenas contaminados por coronavírus, dos quais 13 no município de Bento Gonçalves, confirmados por testes rápidos. Não há registro de óbitos entre os indígenas. Ela alertou, no entanto, que o número de casos pode ser maior.
“Precisamos de notificação e orientação às equipes treinadas para fazer a notificação, identificar se está com os sintomas e notificar”, disse. Além da notificação no município, onde ocorre o atendimento, também o estado deve ser notificado.
Mesmo com as orientações para que os indígenas evitem os deslocamentos e permaneçam nas aldeias, o contágio está aumentando. Em parceria com a Funai, na última semana foram distribuídas cestas básicas e kits de higienização para os seis polos do RS, incluindo máscaras.
A Secretaria Estadual da Saúde também forneceu EPIs (Equipamentos de Proteção Individual), mas dificuldades de logística atrasaram a entrega desses equipamentos no início da pandemia. Apenas na ultima terça-feira (16) um caminhão transportou álcool em gel, avental, máscaras e outras doações para a comunidade indígena.
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Outra dificuldade para o controle social tem sido o contato com os caciques das aldeias, uma vez que a maioria está deslocada dos grandes centros e muitos têm dificuldade de acesso à internet. “Hoje, a maior dificuldade é fazer o isolamento dos indígenas contaminados, principalmente os que não têm sintomas”, revelou Selma.
Outro questionamento à Sesai foi feito pelo cacique Adilson Policena, da Guarita de Inhacorá, a respeito da estratégia para evitar o contágio entre as famílias indígenas sem registro de casos. Embora sua aldeia não tenha nenhum registro, manifestou preocupação com a região de Santo Augusto, onde os casos aumentam diariamente.
“A comunidade sai para buscar ajuda e corre o risco de contrair a doença”, disse. Segundo o cacique, os indígenas trabalham em sintonia com as equipes de saúde da região, mas estão sem médicos há mais de um ano. “Preocupa se tivermos uma família contaminada, como vamos fazer?”, perguntou à Sesai.
A responsável pela Sesai informou que um funcionário de Barra do Ribeiro foi liberado para acompanhar as equipes, compostas por médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Eles estão orientados a entrar nas áreas indígenas e fazer as visitas domiciliares, identificando casos precoces. Selma respondeu que Inhacorá não dispõe de médico porque não houve registro de candidato para a vaga.
Casos aumentam 183% em uma semana
A socióloga da Secretaria do Planejamento, Fernanda Codesola, que acompanha os riscos e ações das comunidades tradicionais no estado, manifestou preocupação com o aumento de casos. Segundo ela, o boletim epidemiológico da Secretaria Estadual da Saúde (SES) no dia 12 de junho registrava 62 casos confirmados, sem constar o surto em Bento Gonçalves, onde foram notificados mais de 12 casos.
Até o dia 2 de junho, o aumento era de 183% de uma semana para outra. “Se considerarmos os primeiros casos em maio, em pouco mais de um mês aumentou mais de mil por cento o número de casos. É preocupante”, ressaltou.
O Secretário estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Mauro Hauschild, garantiu que não está havendo descuido em relação aos indígenas. “Dentro da matriz de risco estabelecida pelo governo de enfrentamento à covid-19, o controle e busca de prevenção do contagio de população indígena e quilombola está na linha de prioridade”, afirmou.
Segundo ele, foram distribuídas 11.668 cestas básicas, das quais 6.655 para a população indígena em seis polos, além disso, serão buscados novos recursos para adquirir mais cestas básicas e de higiene.
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Indígenas relatam dificuldades em todo o RS
Pela comunidade indígena também se manifestou o cacique Joel, da etnia guarani, de Erebango, que destacou a legitimidade das indicações dos novos conselheiros para o Cepi e solicitou a publicação dos mesmos para legitimar o conselho. Pediu equipamentos eletrônicos e internet nas aldeias e relatou problemas na distribuição das cestas básicas na região norte.
Caigangue, o cacique Adilson Policena, também participou da audiência e falou das dificuldades impostas à comunidade com a falta de políticas públicas adequadas e em respeito à Constituição Federal. Ele destacou que o isolamento exigido para conter o coronavírus afeta a dinâmica de vida dos indígenas e, para isso, necessitam ações imediatas em favor da comunidade.
O cacique guarani Cirilo, da Lomba do Pinheiro, manifestou preocupação com a pandemia e as dificuldades para manter todos na aldeia. Por último, Dona Brasília, da Reserva do Guarita, em Tenente Portela, pediu incentivos que capacitem as aldeias para o trabalho agrário.
Primeiro indígena infectado em Porto Alegre
A Secretaria da Saúde de Porto Alegre também confirmou o primeiro caso, nesta terça-feira (16), de um caingangue em aldeia da Lomba do Pinheiro. O contágio estaria relacionado a grupo de trabalhadores de empreiteira em Caxias do Sul e o indígena teria retornado para Porto Alegre com sintomas. Agora estão sendo efetivadas ações para tentar bloquear a disseminação do contágio nessa aldeia.
* Com informações da Agência de Notícias ALRS
Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Marcelo Ferreira