O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello abriu uma divergência durante a última sessão do julgamento do “inquérito das fake news”, nesta quinta-feira (18). Ele votou pela ilegalidade das investigações, que são conduzidas pela Corte desde 2019 e miram a disseminação de conteúdos falsos na internet e os ataques à instituição. A defesa do prosseguimento das apurações, no entanto, prevaleceu. Dos 11 membros do Tribunal, dez defenderam o inquérito e demarcaram limites para os tipos de ocorrência em análise.
Com o resultado, os ministros negaram o pedido da Rede Sustentabilidade, autora da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 572, que questiona a portaria instauradora do inquérito e pedia a sua suspensão. O debate circunda figuras como o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), crítico das apurações e incentivador de protestos contra a Corte, além de apoiadores seus – alguns deles alvos de operações da Polícia Federal sobre o tema.
Durante a sessão desta quinta, Marco Aurélio sustentou que o STF não pode responder pela autoria do inquérito. Esse é o principal argumento dos críticos da iniciativa, os quais destacam a anomalia da situação, uma vez que o Judiciário não é quem, tradicionalmente, conduz investigações.
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Em geral, a atribuição fica a cargo da polícia, no caso de um inquérito policial, ou do Ministério Público (MP), quando se instaura uma apuração civil. Nas manifestações anteriores feitas pelos ministros no âmbito do julgamento, alguns deles sublinharam que, no Brasil, outros órgãos também têm aval para abrir investigações. Entre eles, estão o Banco Central e a Receita Federal.
Marco Aurélio disse, entretanto, que “não pode a vítima instaurar inquérito”. “Estamos diante de um inquérito natimorto. E, ante as achegas [aportes] verificadas depois de instaurado, diria mesmo [que é] um inquérito do fim do mundo, sem limites”, criticou.
Tecnicamente, a divergência do magistrado se refere a um entendimento sobre o Artigo 43 do regimento da Corte, que trata da instauração de inquéritos por parte do presidente. Os outros dez ministros entenderam que o dispositivo foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, o que validaria o inquérito em discussão, mas Marco Aurélio avaliou o contrário. O magistrado considerou que a norma seria incompatível com o padrão estabelecido pela Carta Magna, que, segundo ele, adota o sistema “acusatório”, e não o “inquisitorial”.
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Na sequência, os ministros Celso de Mello e Dias Toffoli, respectivamente decano e presidente do Tribunal, manifestaram-se pela continuidade das investigações, em sintonia com os votos dos demais magistrados.
Mello, por exemplo, apontou que a Corte vem sendo alvo de “atos covardes” e que tais atitudes “agem no submundo da criminalidade digital”. Ele lembrou as bases do Estado democrático de direito e disse que as ofensas em questão atingem a democracia, diferindo do entendimento que se tem nas legislações brasileira e internacional sobre o direito à liberdade de expressão.
“Se há algum princípio da Constituição que deva ser observado mais do que qualquer outro, é o princípio que consagra a liberdade de expressão do pensamento, mas não a liberdade do pensamento apenas em favor daqueles que concordam conosco, e sim a liberdade do pensamento que nós próprios odiamos e repudiamos”, disse o ministro, ao citar um jurista que virou referência nos Estados Unidos e mencionar os ataques aos magistrados brasileiros, que receberam ameaças de violência também contra suas famílias.
Mello disse que o país vive um “momento histórico” e que cabe ao STF “preservar a intransigibilidade da Constituição que governa a todos”. Na avaliação dele, é preciso impedir “que gestos, atitudes ou comportamentos, não importando de onde emanem ou provenham, terminem por deformar a autoridade e degradar o alto significado de que se reveste a lei fundamental da República”. O magistrado sublinhou que o STF tem “atribuição legítima” para isso por ser um juiz constitucional.
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Fake news
Ao concordar com diversos argumentos expostos anteriormente pelo restante do plenário, o presidente da Corte, Toffoli, lembrou que “não é de hoje” que o STF e os ministros sofrem ataques de “pessoas, grupos e milícias digitais”.
O magistrado ressaltou que a questão é considerada danosa às instituições democráticas e mencionou, por exemplo, pesquisas produzidas entre 2006 e 2017 pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, nos Estados Unidos. Tais estudos mostraram que as fake news têm disseminação mais rápida e pulverizada que as notícias jornalísticas, apresentando 70% mais chances de serem replicadas do que os conteúdos que se atêm à realidade dos fatos.
Toffoli afirmou que a prática é ainda agravada por elementos como a coleta e o uso desenfreados de dados pessoais dos usuários da internet, “o que também tem preocupado governos democráticos no mundo inteiro”. Para ele, o STF precisa, diante desse cenário e dos ataques à instituição, avaliar os riscos e os objetivos de práticas que “atentam contra a democracia”.
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“Depreender esse objetivo, que configura dolo, é fundamental pra que enfrentemos o problema e elaboremos estratégias adequadas pra dirimi-lo”, pontuou, ao defender a legalidade do inquérito e a ação da Corte diante do caso.
O caso
A questão em debate teve início quando, em março de 2019, Toffoli editou a Portaria GP 69/2019, que instaurou as investigações e nomeou Alexandre de Moraes como relator. O inquérito, que tinha previsão de término para janeiro deste ano e acabou adiado por mais seis meses, sofreu duras críticas ao longo do processo.
Edição: Vivian Fernandes