Pacientes com sintomas de covid-19 residentes em comunidades quilombolas do município de Moju, no nordeste do Pará, serão transportados em ônibus, sujeitos à aglomeração, para serem atendidos no centro da cidade.
A proposta faz parte do projeto Policlínica Itinerante, do governo estadual, que chegou a Moju na última sexta-feira (05). A estrutura conta com consultórios, tomógrafo para realização de exames e equipe de 40 profissionais, entre médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e administrativo.
No entanto, a iniciativa vai na contramão do que tem sido reivindicado pelas comunidades tradicionais, que pedem atendimento nos territórios e que contemplem as especificidades dos povos que neles vivem.
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Magno Nascimento, membro da Coordenação Estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungo), também destaca que ação vai de encontro às recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), que orienta o distanciamento social como medida preventiva à contaminação pelo coronavírus.
“Não é possível fazer saúde pública de enfrentamento à covid-19 nessas condições. É como se fosse um piquenique, encher o ônibus de pessoas e seguir em direção a determinado lugar para uma diversão. Só que não se pode brincar com o coronavírus. É uma doença contagiosa, muito grave e a saúde pública está sendo tratada dessa forma, como se fossemos levantar a bandeira para um time de futebol”, pontua.
Viagem de madrugada
Segundo Nascimento, o convite para a ação de saúde chegou às comunidades por meio da Prefeitura de Moju, que é parceira do estado no projeto da policlínica, e foi recebido por lideranças comunitárias e políticas das comunidades. Ele relata que, conforme a proposta, o transporte deve passar por diversos territórios para recolher os passageiros, com início da atividade ainda durante a madrugada.
“Esse ônibus vai chegar na comunidade África amanhecendo o dia, 5h30, 6h para pegar as pessoas. Depois, ele seguiria para a comunidade Laranjituba, pegaria os quilombolas de lá e depois para a comunidade Mojumiri, depois para a comunidade Aguapé e em seguida para a cidade de Moju”.
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O município de Moju é constituído por 27 comunidades reconhecidas pelos quilombolas e, segundo Nascimento, há registro de infectados e de quatro pessoas que morreram com sintomas da covid-19. No entanto, não foram realizados testes que pudessem confirmar a infecção pelo novo coronavírus.
Além dos quilombolas, Magno Nascimento diz que outras comunidades da região também devem buscar atendimento de saúde no centro da cidade por meio do transporte coletivo em ônibus, o que poderia elevar ainda mais os riscos de disseminação da covid-19, caso haja pacientes infectados.
Outro lado
Em nota, a Prefeitura de Moju informou que realiza diversas ações de combate à pandemia no município e que a opção pelo atendimento no centro da cidade se deve à viabilidade para transporte dos pacientes com suspeita de covid-19.
“A ação da Policlínica Itinerante do Governo do Estado está sendo realizada no centro da cidade, pois Moju possui 82 mil habitantes distribuídos em 220 comunidades rurais, entre elas 16 são quilombolas, sendo mais viável transportar os suspeitos de coronavírus, com todas as medidas de higiene e protocolos de segurança necessários, até o centro da cidade, oportunizando atendimento a toda a população mojuense”, diz o comunicado.
Ainda segundo a administração municipal, em território quilombola, houve ação na Comunidade Nossa Senhora das Graças, com atendimento a todos os casos suspeitos de coronavírus, e uma nova atividade está programada para ocorrer na Comunidade da Ribeira, onde será inaugurado um Posto de Saúde.
O Governo do Estado do Pará também foi procurado pela reportagem, mas não houve retorno até a publicação da matéria.
Até este sábado (6), Moju registrava 730 casos confirmados da covid-19, com 20 óbitos, segundo dados da Secretaria de Saúde do Estado do Pará (Sespa).
Edição: Geisa Marques