Faz parte do protocolo básico de vacinação: quem toma a primeira dose do imunizante CoronaVac deve tomar a segunda dose do mesmo, e a mesma coisa vale para a vacina AstraZeneca. No entanto, em um universo de 3,5 milhões de pessoas vacinadas, pelo menos 16.526 tomaram doses trocadas, segundo informações do DataSUS, sistema de dados do Ministério da Saúde, tabuladas pelo jornal Folha de S. Paulo.
Do total, 14.791 tomaram a primeira dose da AstraZeneca e a segunda da CoronaVac, enquanto 1.735 tomaram a primeira dose da CoronaVac e depois o reforço da AstraZeneca. De cada dez trocas, sete foram registradas em profissionais da saúde. A mudança só não foi registrada em dois estados brasileiros, Acre e Rio Grande do Norte.
A capital que lidera o ranking de trocas é o Rio de Janeiro, com 1.653 casos, seguida por Goiânia (667 ocorrências) e Brasília (520 casos).
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Os números, no entanto, devem ser maiores, uma vez que até às 20h desta quinta-feira (22), 11.338.366 pessoas já haviam tomado as duas doses de imunizante, o que aumenta o universo de possíveis trocas.
A troca de doses faz com que a pessoa não receba a imunização esperada, uma vez que cada vacina tem uma tecnologia diferente e precisa ser aplicada de modos diferentes. O intervalo de aplicação da CoronaVac, por exemplo, é de até 28 dias; enquanto da AstraZeneca até 12 semanas.
Da mesma maneira, a vacina produzida pelo Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac utiliza o vírus inativado para estimular a produção de anticorpos. Já o imunizante desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade de Oxford e laboratório britânico AstraZeneca, conhecida como um vetor viral, utiliza um adenovírus de chimpanzé que estimula a infecção de células humanas, e consequentemente de anticorpos, mas sem a reprodução do vírus.
Eduardo Pazuello na mira de Wajngarten
Às vésperas da abertura da CPI da Pandemia, o ex-secretário de Comunicação da Presidência da República, Fabio Wajngarten, afirmou em entrevista à revista Veja que a compra de 70 milhões de doses do imunizante da empresa Pfizer, em 2020, não ocorreu por “incompetência e ineficiência” do general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
“Quando você tem um laboratório americano com cinco escritórios de advocacia apoiando uma negociação que envolve cifras milionárias e do outro lado um time pequeno, tímido sem experiência, é isso que acontece”, disse Wajngarten.
O ex-secretário, no entanto, eximiu o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de qualquer responsabilidade sobre o assunto. “O presidente Bolsonaro está totalmente eximido de qualquer responsabilidade nesse sentido. Se as coisas não aconteceram, não foi por culpa do Planalto. Ele era abastecido com informações erradas, não sei se por dolo, incompetência ou as duas coisas”, afirmou Wajngarten.
Pazuello e Wajngarten estão na lista de autoridades a serem ouvidas pelos senadores no âmbito da CPI da covid, bem como Luiz Henrique Mandetta (DEM), Nelson Teich, Eduardo Pazuello e o atual ministro Marcelo Queiroga.
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No depoimento de Pazuello, a CPI também quer apurar a omissão do governo federal no envio de oxigênio para a capital do Amazonas e o uso do aplicativo TrateCov, que preconiza o tratamento precoce da doença com medicamentos cientificamente comprovados ineficazes.
Para Wajngarten, entretanto, a Comissão Parlamentar de Inquérito não pode acusar o capitão reformado de “inoperância”. “Eu era o secretário de Comunicação do governo. É minha obrigação reportar o que o Planalto fez através da minha pessoa. Antevi os riscos da falta de vacina e mobilizei com o aval do presidente vários setores da sociedade.”
No dia 23 de janeiro, o governo federal divulgou uma nota criticando publicamente o laboratório farmacêutico Pfizer por cláusulas impostas para comercialização do imunizante. Uma das medidas autorizava o governo brasileiro a assumir responsabilidade sobre possíveis efeitos adversos causados pelo imunizante – as cláusulas que Bolsonaro considera “abusivas” estão previstas em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e se aplicam a imunizantes aplicados no Brasil há décadas.
“Causaria frustração em todos os brasileiros [comprar as 70 milhões de doses oferecidas pela Pfizer em agosto], pois teríamos (…) que escolher, num país continental com mais de 212 milhões de habitantes, quem seriam os eleitos a receberem a vacina”, argumentou o Ministério da Saúde, em janeiro.
Na época, Bolsonaro afirmou que “na Pfizer, está bem claro no contrato: ‘nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Se você virar um jacaré, é problema de você. Não vou falar outro bicho aqui para não falar besteira. Se você virar o super-homem, se nascer barba em alguma mulher aí ou um homem começar a falar fino, eles não têm nada a ver com isso”.
Disputa política em torno da imunização
Nesta quinta-feira (22), Bolsonaro voltou a afrontar o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), ao dizer que a vacina produzida integralmente pelo Instituto Butantan, a Butanvac, é uma “mandrake de São Paulo”. O imunizante utiliza uma tecnologia desenvolvida nos Estados Unidos e, por isso, não seria totalmente nacional.
“Como é que está nossa vacina brasileira? Essa é 100% brasileira, não é aquela ‘mandrake’ de São Paulo, não, que tinha os Estados Unidos no meio. Essa é 100% brasileira. Como ela está, qual o nome dela?”, questionou ao ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes.
Antes, Doria afirmou ao jornal Valor Econômico que Bolsonaro tem uma “obsessão doentia” por ele e que o Brasil é governado por um “psicopata”. “Os meus planos hoje são de fazer boa gestão como governador, priorizando a saúde. É o bom senso de compreender o que é prioridade. Bolsonaro não me esquece, acorda e dorme pensando em mim, é uma obsessão doentia, essa fixação no João Doria e na calça do João Doria, a ‘calça apertada’ do João Doria. Vai ver que ele gosta”, provocou o governador.
Aliados durante as eleições de 2018, Jair Bolsonaro e João Doria são, atualmente, inimigos políticos / Divulgação/PSDB
Butanvac e Versamune
A Butanvac, explicou o Instituto Butantan, é feita por meio da parceria com o Hospital Mount Sinai, de Nova York, e está livre de qualquer contrapartida de pagamentos de royalties. “A tecnologia da vacina Butanvac, que será fabricada com custos baixos no Brasil, sem dependência de insumo importado, usa o vírus da doença de NewCastle desenvolvido por cientistas nos Estados Unidos na Icahn School of Medicine no Mount Sinai em Nova York. A proteína S estabilizada do vírus SARS-Cov-2 utilizada na vacina com tecnologia HexaPro foi desenvolvida na Universidade do Texas em Austin”, afirmou o Butantan em nota.
O órgão também informou que “todos os processos produtivos, desde a qualificação dos ovos embrionados, inoculação, crescimento viral, processamento e purificação viral, inativação, formulação, qualificação, controle de qualidade, produção em escala, envase, rotulagem, registro sanitário, serão realizados pelo Butantan. O que significa dizer que a vacina em desenvolvimento e que entrará em estudos clínicos é uma vacina que será produzida integralmente pelo Butantan no Brasil”.
Já a outra vacina à que o presidente se referiu é a Versamune, produzida pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP, em parceria com a Farmacore Biotecnologia e a norte-americana PDS Biotechnology.
Segundo Marcos Pontes, o imunizante já deu entrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a realização dos testes clínicos em voluntários. “Serão 360 pacientes, para essa primeira fase, fases 1 e 2, onde se testa a segurança da vacina, e logo depois vem a fase 3 para testar a eficiência. Nossa ideia é que até o final do ano tenhamos uma abertura dos testes [da fase 3], como foi feito com CoronaVac, por exemplo, e nós possamos ter essa vacina entrando no mercado neste ano”, anunciou o ministro.
O maior obstáculo, no entanto, é o orçamento: R$ 30 milhões para as fases 1 e 2 e R$ 310 milhões para a fase 3, que será de 25 mil pacientes voluntários.
Em meio às alfinetadas, a pandemia
O Brasil registrou até às 18h desta quinta-feira (22), 2.027 mortes por covid-19 em um período de 24 horas, somando 383.502 vítimas fatais desde o início da pandemia, de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). O número, porém, deve ser maior, uma vez que devido ao feriado de Tiradentes, os laboratórios trabalharam em regime de plantão, portanto, com menos profissionais. Nos próximos dias, os registros devem ser corrigidos.
Em relação ao número de casos, foram registradas 45.178 infecções no mesmo período, totalizando 14.167.973 contaminados em pouco mais de um ano de pandemia.
Paralelamente, de acordo com o último balanço do consórcio de veículos de imprensa, até às 20h desta quinta-feira (22), 27.945.152 pessoas receberam a primeira dose da vacina contra a covid-19, ou seja, 13,20% da população. A segunda dose foi aplicada em apenas 5,35% da população do país: 11.338.366 pessoas. No total, 39.283.518 doses foram aplicadas.
Edição: Vinícius Segalla