Elas são Maria, Joana, Ana, Clara…
Nomes diferentes, histórias parecidas. Um amor que virou dor. Não só emocional, mas física. O “felizes para sempre” deu espaço ao “infeliz, só, subjugada, machucada”. A volta por cima acontece em meio a ferimentos, abandono e ameaças. Nesse cenário em que o conto de fadas cede lugar ao filme de terror, a violência tem várias faces: sexual, física, moral, psicológica e patrimonial. E quase sempre ela é silenciosa, por vergonha, medo ou mesmo porque a vítima não acredita que sua voz será ouvida.
Em agosto, essas histórias ganham destaque e cor, lilás. O mês, escolhido para representar a conscientização pelo fim da violência doméstica, é uma referência ao aniversário de promulgação da Lei Maria da Penha, em 07 de agosto de 2006. Em função da data, a Prefeitura de Niterói lança a campanha “Amor Não Causa Dor”. O foco é conscientizar as mulheres em situação de violência doméstica de que elas podem romper com a barreira da agressão. Para isto, a Coordenadoria de Políticas e Direitos das Mulheres, Codim, ligada à Prefeitura de Niterói, quer intensificar a divulgação do Auxílio Social, um benefício concedido às vítimas da violência.
Desde dezembro de 2021, cerca de 200 mulheres de Niterói já passaram a receber o benefício de R$ 1.005,08 por mês. Ele foi criado na forma de decreto, com o objetivo principal de ajudar mulheres a quebrar o vínculo com o agressor e romper o ciclo da violência. O benefício é pago por seis meses, prorrogáveis por mais seis. Para ter direito, a mulher precisa atender a requisitos como morar em Niterói, residir com o agressor no momento da agressão, realizar o Boletim de Ocorrência e possuir renda de até três salários mínimos ou renda média per capita familiar de valor igual ou inferior a R$700,00. “O Auxílio Social é uma virada de chave na vida destas mulheres, uma ferramenta essencial no enfrentamento às violências e atua como porta de saída e esperança para que cada mulher consiga escrever uma nova trajetória de vida”, resume Fernanda Sixel, coordenadora da Codim.
Quando soube do programa, a manicure Suellen Daniel, de 31 anos, achou que era “pegadinha”. “Uma cliente, que sabia da minha história, me falou sobre o Auxílio Social. Não levei fé. Achei que era muito bom para ser verdade. Era bom e era verdade”, lembra a manicure, que foi agredida diversas vezes pelo pai da filha, hoje com seis anos. Ela conta que o ex-companheiro chegou a tentar atropelá-la e a perseguia na porta do salão onde trabalhava. Durante o ano em que recebeu o benefício, ela aproveitou para fazer os cursos de designer de sobrancelhas, maquiagem e manicure. Todos oferecidos pelo Senac, gratuitamente, em parceria com a Codim. “Eu já trabalhava como manicures, mas não tinha a certificação. Sempre quis me especializar, mas não tinha tempo e nem dinheiro para os cursos. Durante os 12 meses em que recebi os mil reais por mês do Auxílio Social, tive a segurança que eu precisava para me dedicar aos cursos e aumentar a minha renda depois que o benefício acabasse”, conta.
De acordo com a coordenadora da Codim, investir na autonomia econômica da mulher é fundamental para o rompimento com o ciclo da violência . “Por meio de parcerias com o Senac, Senai e com empresas da cidade, ofertamos uma variedade de capacitações que vão desde cursos de manicure, maquiagem, consultoria de imagem, designer gráfico digital e soldadora até o nosso projeto Mulher Líder, que investe no empreendedorismo feminino. No período em que a mulher recebe o benefício de mil reais por mês, ela precisa frequentar também os encontros com a equipe técnica do Ceam. Somos a rede de apoio das mulheres e trabalhamos para oportunizar a cada usuária da Codim condições para sua emancipação em todos os aspectos, em especial a autonomia financeira, para seguir em frente. Construímos uma trilha, desde a chegada da mulher nos nossos equipamentos. Ver cada uma delas, que nos chegou frágil e sem horizonte, agora capacitada e esperançando um novo começo livre de violência e repleto de sorrisos é gratificante demais”, afirma Fernanda.
L.O.G, de 29 anos, é um exemplo desta transformação. Por conta da filha, ela prefere não ter a identidade exposta. Ela entrou para o programa Auxílio Social há um mês e usou o valor do primeiro benefício para pagar o aluguel de uma quitinete e investir em material para fazer as unhas de vizinhos e amigos. “Meu marido me privava de trabalhar, tinha ciúmes e me agredia quando brigávamos. Eu era totalmente dependente financeiramente dele. A gente vai se anulando e não percebe. Quando vê, a nossa vida está entregue a outra pessoa”, resume. Agora, L pretende fazer o máximo de cursos que puder para alavancar a vida profissional. “Quero me especializar e pretendo participar, principalmente, dos cursos voltados à beleza”, afirma.
A volta por cima dessas mulheres foi possível, em grande parte, por conta da promulgação da Lei Maria da Penha. A farmacêutica que deu nome à lei foi quase morta pelo então marido, o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros, por duas vezes. Na primeira, atirou simulando um assalto; na segunda, tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho. Por conta das agressões sofridas, Maria da Penha ficou paraplégica. Dezenove anos depois, no mês de outubro de 2002, quando faltavam apenas seis meses para a prescrição do crime, seu agressor foi condenado.
O episódio chegou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) e foi considerado, pela primeira vez na história, um crime de violência doméstica. Hoje, Maria da Penha é ativista pelos direitos das mulheres e presente o instituto que leva seu nome, em Fortaleza. Considerada o símbolo da luta contra a violência doméstica, Maria da Penha vai participar do encerramento das atividades do Agosto Lilás, em Niterói, em uma conversa virtual com a coordenadora da Codim, Fernanda Sixel, que será transmitida online e com a participação do público, no auditório da Associação Comercial e Industrial do Estado do Rio de Janeiro, Acierj, no dia 31 de agosto.
“Vamos encerrar o Agosto Lilás com uma conversa muito importante com a Maria da Penha. Teremos a oportunidade de ouvi-la e de fazermos um balanço sobre o marco que foi a Lei Maria da Penha. Ainda temos muito a avançar, mas as mulheres de Niterói podem saber que não estão sozinhas”, conclui Fernanda Sixel.