Motivadas pela vontade de ajudar quem precisa de proteção na linha de frente do combate à pandemia de covid-19, pessoas, organizações e universidades em todo o país começaram, em iniciativas isoladas, a fabricar suprimentos médicos como equipamentos de proteção individual e tecnológicos. Os produtos abastecem emergencialmente hospitais locais que sofrem com falta de equipamentos no mercado diante do aumento da demanda provocada pela crise sanitária mundial.
Para organizar a rede dessas iniciativas e conectar quem produz com quem precisa, foi lançada, há cerca de um mês, a plataforma Protege BR. A plataforma já conta com mais de 200 iniciativas de produtores, os chamados makers, e ajuda na conexão com os hospitais, profissionais de saúde e secretarias de saúde que precisam dos equipamentos
A rede conecta produtores de suprimentos desde os mais simples, como máscaras caseiras, óculos de proteção, aventais, capotes e viseiras de acetato, chamadas de face shields, até peças sofisticadas como ventiladores respiratórios, laringoscópios e tubos para respiração.
Idealizadora e coordenadora da plataforma, Gabriela Agustini explica que a ideia é dar mais agilidade na produção e distribuição, diante do grande número de iniciativas isoladas.
“Essas ações vieram dos cidadãos, das universidades, de grupos independentes, organizações sociais, coletivos de pessoas que, movidas pela generosidade, começaram a produzir e entregar para um hospital próximo, para a família de um amigo médico, um enfermeiro do bairro, da comunidade”.
A partir da plataforma, os makers se conectam, trocam informações e melhores práticas sobre o que estão produzindo, além de escolherem para quem entregar o produto e coletar doações. Gabriela destaca que uma parte importante da plataforma é a disponibilização dos arquivos e processos para fabricar os suprimentos.
“Você pode estar produzindo, por exemplo, um protetor facial, e descobre que com a mesma estrutura, as mesmas máquinas e materiais, você pode fazer óculos de proteção pessoal, e que isso consome menos material, é mais barato e pode atender uma demanda grande de pessoas que estejam precisando. Você pode ter acesso na plataforma a esse arquivo, joga para a máquina e começar a produzir”.
Ela explica que todos os protocolos disponibilizados são testados e aprovados pelas instituições científicas e sanitárias, além de hospitais. Exemplos semelhantes de produção de suprimentos médicos também ocorreram na Itália, com a produção em impressora 3D de válvulas para respiradores eletrônicos, e a adaptação de grandes fábricas de automóveis nos Estados Unidos para fabricar ventiladores respiratórios.
De cuecas a capotes
A adaptação da linha de produção também ocorre em escala local e para produtos mais simples. Foi o que fez Carina Carmo, que tem uma confecção de cuecas de algodão em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, a Oiti. Com a fábrica fechada por causa da pandemia e sem ter como continuar pagando os 40 funcionários, Carina buscou alternativas e encontrou no Protege BR a oportunidade de produzir capotes médicos.
“A gente não teria condições de manter por mais tempo sem produção. Minha ideia inicial era fazer máscara de pano, mas resolvi falar com a Gabriela Agustini e ela disse que a subsecretária de saúde falou que 400 leitos de UTI estavam fechados por falta de capote, o avental médico. A gente foi descobrir o que era, como fazia, começamos a estudar. Fizemos três protótipos e encaminhamos para a Secretaria de Saúde. Dois foram aprovados”.
Carina explica que os pedidos começaram a chegar assim que o protótipo foi aprovado, no começo de abril. A Oiti fabricou 30 mil capotes de TNT, encomendados pela União Rio, que comprou o suprimento para doar aos hospitais públicos. Segundo ela, na época, o produto estava em falta no mercado, por ser importado da China. Agora, no entanto, a demanda começou a diminuir e a produção mundial a se normalizar.
“A gente não tem mais pedido de capote e alguns clientes antigos nossos começaram a entrar em contato, então a gente está torcendo para que a fábrica se reative. Foi muito bom, com certeza, mas ninguém lucrou com esse trabalho não. Ele foi para nos manter em pé mesmo e não precisar mandar ninguém embora”.
Impressoras 3D
Em Aracaju, a professora e pesquisadora do Instituto Federal de Sergipe, Stephanie Kamarry, conseguiu mobilizar 104 voluntários e 60 impressoras 3D para produzir óculos e face shields. Coordenadora do projeto Cuidar – de quem cuida da gente, ela explica que foram produzidos 6 mil face shields, 3 mil óculos de proteção e 2 mil máscaras de pano.
“A ideia surgiu a partir de uma postagem da Gabriela Agustini, eles foram um dos primeiros a trazer a ideia para o Brasil. Conversei bastante com ela e em três dias eu reuni os voluntários, abri campanha de arrecadação, convoquei os makers do estado e começamos a produção. Montamos uma estrutura que nos possibilitou funcionar como uma grande fábrica descentralizada”.
Stephanie lembra que todos os suprimentos médicos foram feitos com doação. “Fizemos uma campanha de arrecadação e chegamos a arrecadar R$ 35 mil e 150 quilos de PLA, o material da impressora 3D”. O protótipo desenvolvido foi validado por dois hospitais em Sergipe. “A demanda era muito alta e fazíamos entregas diárias para atender todo o estado. Agora diminuiu, hoje está mais fácil de comprar pronto e mais barato também”.
A pesquisadora adianta que a equipe está trabalhando em máscaras de mergulho adaptadas para uso hospitalar, também utilizando impressoras 3D. O objetivo é entregar 200 unidades para a rede pública do estado.
“Encerramos a primeira fase e começamos uma nova frente de trabalho, com maior potencial de salvar vidas e desafogar o sistema. Agora estamos adaptando máscaras de mergulho para serem utilizadas como máscaras CPAP nos hospitais, ou seja, com pressão positiva sobre o pulmão, e pode ser ligada à tubulação hospitalar ou mesmo a um cilindro. Com um filtro ligado à saída de expiração diminui a chance de o paciente contaminar pessoas que estejam por perto”.
Doações
Uma entidade que mediou a entrega de materiais por meio da plataforma Protege BR foi a Redes da Maré, que fez a distribuição de óculos protetores doados pelo Laboratório de Design da PUC Rio às Unidades Básicas de Saúde do Complexo da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro.
Segundo Luna Arouca, coordenadora da Redes da Maré, foram 400 óculos distribuídos aos profissionais de saúde que atuam na favela, em um momento de falta de material no mercado.
“É uma iniciativa muito importante, não só pelo custo desses equipamentos, pela necessidade emergencial deles, mas também pela própria escassez que teve por um período, porque foi muita demanda”.
Ela destaca a atuação de coletivos e da sociedade civil diante da pandemia, que contribuem para que os profissionais de saúde estejam seguros e façam o seu trabalho de forma protegida.
“A possibilidade de ter esses equipamentos e poder distribuir para as unidades de saúde permitiu que os profissionais estivessem protegidos e também protegendo a população e assim garantindo um atendimento correto diante da situação da pandemia.”